segunda-feira, 29 de março de 2010

Mãe, ó mãeeee!

Escuta mãe,
por ti eu nem ia ao café ali ao lado, tens medo que eu me perca pelo caminho, tenho de te pedir licença por tudo e por nada, sabes que eu gosto das camisas em tons de verde, mas tu, não, trazes sempre camisas azuis só porque meteste na cabeça que assim é que estou bem e longe de mim que diga o contrário!

Por ti casaria com a prima Joana só porque os tios têm umas terrinhas espalhadas em Bragança e têm um sotaque provinciano que tu elogias e eu detesto.
Tenho os meus direitos. Fui à escola por alguma razão! Não aprendi apenas as contas que me mandavam fazer.
Olha, por vezes aprende-se mais no recreio do que dentro de uma sala de aulas, entulados de teorias até o tutano.


Quando me acordas, com teus tiroteios na voz, a puxar os lencóis, bem antes das dez da manhã, nem sabes o quanto fico impuro. Nem dois bidões de lixívia dariam para limpar a minha alma de impurezas pelo excesso de ansiedade.
Quero dinheiro para ir ao Rock in Rio e tu, primeiro que te decidas a dar é um pandemónio de primeira categoria, quero um portátil novo e tu vens com a velha história, «deixa as coisas melhorarem», falar-te em aumentar a minha mesada é coisa para debater em assembleia num jantar de família.

Também te digo, peço-te que me deixes crescer, só isso, olha, escusas de me dar o beijinho da seca logo após eu me deitar. Ou julgas que eu não sinto a tua boca tocar-me na testa?
Mãe, por favor, sabes quantos são hoje não sabes?! Diz-me que não farás mais questão de me acompanhar até ao outro lado da rua porque os carros são muitos, que não me vais mais esperar às xis horas à saida da piscina.
Mais, a partir de hoje ligarás para o meu telemóvel apenas quando uma urgência apertar e não para perguntares se está tudo bem, se já lanchei, cuidado com o trânsito, etc.


Mãe, olha para mim, esta barba rija e abundante não te diz nada?
Vê os meus braços, olha as minhas pernas, não achas que cresceram como deve ser? Devias saber que eu já não uso nem bonézinho na cabeça, nem meia rendada até aos joelhos e, as borbulhas que tinha no rosto, só tu é que te lembras delas quando vens com os teus cremes Dove para limpar a minha cara como se fosse o rabinho de um menino de cinco anos. A minha voz está mais grave, não notas?, não sentes?

Quando me dizes que nasci cansado eu bem sei que é só para me negares dinheiro para tabaquinho, sabes que eu não sou doutor como o irmão porque as coisas não me correram lá muito bem. Mas não foi das noitadas, como dizem as más-línguas.


Se me deres uma nota de cem, eu prometo-te que vou arranjar emprego quando me tratarem pelo apelido e não por este diminutivo que carrego.
Mãe, não te esqueças que amanhã faço anos, são tantos que me perco a contar pelos dedos. Vá lá, quero um fato novo para vestir, preto de preferência, quero aquele perfume que te dei a cheirar uma amostra no outro dia mais uma Consola para as noites em que o sono não vem.

Oh please, me dá mais um tempo para eu arranjar uma namorada bem sucedida na vida! Alguma me há-de levar ao altar, nem que seja ao pontapé. Eu te prometo, mas desta vez sem fazer figas por debaixo da mesa.


Porra mãe!, quantas vezes já te disse que estas olheiras são de ver muita televisão?!, não me toques no cabelo, por favor, ele já é pouco, não insistas mais para eu me levantar cedo, para ir procurar um trabalho,
que me deixe de aventuras,
eu sei como se faz à vida,
vou fazer quarenta e três anos,
achas que ainda não sei tomar conta de mim?
Wak up!

terça-feira, 23 de março de 2010

A culpa é do Bilinho

Estou triste. A Tatiana ligou-me a dizer que esta noite não ia haver nada p’ra ninguém. E eu, que toda a noite sonhara com o filme sobre o que podia acontecer entre nós dois, sobretudo no sofá que, segundo ela, veio lá das índias. O meu pensamento perdeu a cápsula, assim que ela me disse: ó pá, infelizmente não me dás boas energias. Ouvido isto, foi possível detectar a milhas um fumo negro a sair-me das orelhas. É que ela nem deixou concretizar o meu mas…, desligou de imediato, causando uma febre mitológica algures no peito. Energia, não lhe dou energia? Fiquei logo com o caralho do dia estragado. Afinal de contas a Tatiana é uma preciosidade, uma preta que mexe bem as ancas e com muita sabedoria para assuntos de astrologia, ao qual eu, jorginho para as amigas, me predisponho a ouvi-la em troca de uns vinte minutos de carícias pela espinal medula.

Levantei-me abstracto da cama, com uma pasmaceira filha da puta, como se acordasse no meio de um estádio de futebol com as equipas em jogo. Eu ali, indefeso e nu, na minha cama napoleónica. Simplesmente horrível. Nem é bom pensar. O Bilinho ligou-me a contar umas coisas que eu não entendi puto. Dava a sensação que estava a perder a virgindade e a tentar relatar o acto em austro-húngaro. Disse-lhe: Bilinho mantém-te calmo. Olha, o melhor é passares aqui em casa. Ok, respondeu-me, num tom de asma. 
Enquanto esperava que ele viesse, levantei-me da cama, vi no espelho que continuo a mesma merda, vesti a minha jaqueta preferida, fiz umas torradas e aqueci um leitinho para não ter que gastar guito na rua. Afinal de contas, a vida está ruim, para não dizer f*. Soube pela televisão que o cabrão do meu ex-patrão falecera de traqueotomia ou lá como se chama.
Nunca uma morte me saiu tão cara. Foram trezentos e tais euros que não deram à costa e foram pró caraças. Ainda pensei ir ao funeral cuspir na campa dele mas, nesse segundo, o Bilinho bateu à porta. Mandei-o entrar, enquanto eu, na casa de banho, metia a rodilha da camisa para dentro das calças e dava umas sapatadas no rosto como quem diz, vamos à vida! Na sala espantei-me ao ver o Bilinho com duas muchachas bem-parecidas. 
Quem diria que aquele branquelas de sessenta quilos era capaz de uma proeza destas. Apresentou-mas. A Joana, cabeleireira, e a Ruth, fisioterapeuta. Da minha boca irónica escapou-se: pois, pois. Contai-me coisas, disse-lhes, ao mesmo tempo que apontava para o sofá para se porem à vontade. O Bilinho friccionava as mãos num contentamento que eu sei lá. Já eu, mordia a mosca que deixei crescer no lábio inferior.
Mandei-as falar abertamente. Elas começaram a dissertar sobre o amor que as une. Uau!, o assunto começou a interessar. Depois disseram que queriam dar à luz um filho cada uma. E que precisavam de dois voluntários. Mas que obedeçam a determinados parágrafos. Como assim?, perguntei-lhes. Têm de ser homens fortes e inteligentes!, responderam em uníssono. O Bilinho de pronto se ofereceu, dizendo que tem uma pós em artes modernas. Só que os seus sessentas quilos não as fizeram convencer. Talvez a ideia fosse em eu fazer o caldinho às duas, sei lá. Fiz-me de difícil. Afinal de contas não é todos os dias que aparece alguém com habilidade para fazer dois filhos de uma assentada só. Começaram a dizer que a vida vai mal e, coisa e tal, tal e coisa, acabei ficando em pele-de-galinha. Bem, vocês conhecem-me, né, não posso ver ninguém a passar mal, quanto mais duas relíquias daquelas tão guapas. Mal dei o ok, vocês haviam de ver, as moças sorriram como verdadeiras puras donzelas, arreganhando os faqueiros. Já sem mais para quê, em câmara lenta, despi o casaco, desapertei os primeiros botões da camisa, depois o das calças, o Bilinho expectante que alguma coisa lhe sobrasse, quando, bem pertinho delas, de lhes trespassar este meu chilreio de macho, tanto a Joana como a Ruth, ora foda-se, espetaram-me com dois frasquinhos nas mãos que iam para agarrar mas nada agarraram a não ser os frasquinhos que, segundo elas, bastariam umas gotinhas. Bolas!, na hora fiquei obtuso mas, como homem de pulso que sou, peguei numa revista de carros e fui para o quarto fazer o serviço. Enquanto isso, o Bilinho fazia as hostes da casa servindo-lhes um chá afrodisíaco, contando-lhes ao ouvido a versão adulta do capuchinho vermelho. Meia hora depois, saí da porta com os dois frasquinhos em punho, e disse: Habbemos Papa(i)!

terça-feira, 9 de março de 2010

O Azarista

Neste sacrílego momento, o céu nada me diz. Dou quatro, cinco voltas à casa e não me acho. Perdi-me lá atrás, bem no fundo dos dias com a mala pronta para a despedida. Nunca achei trevos com mais de três pétalas, nunca me disseram: vem daí tomar um café comigo. Raras são as mulheres que me beijam na face, para me cumprimentar estendem logo a mão. Sou um azarista de nascença. Aprendi a andar cedo por ninguém pegar em mim ao colo. Os gatos pretos para mim são como jóias: ponho-os ao pescoço.
Bato com a cabeça na parede e ela chora, a parede. Tudo é ruim, mesmo pronunciar a palavra ruim faz-me formigueiro nos tomates. Ó, eu não disse? A minha vida é um espanto, desculpe-me, não o quis espantar. Os autocarros não esperam por mim. Em dias de chuva os carros passam por cima das poças de água e eu fico como um pito molhado.


Nos restaurantes a sopa vem sempre fria, e quando vem quentinha o garçon faz o favor de ter o dedo metido nela. Calha-me sempre a mesa ao pé do WC. As moscas, sei lá porquê, gostam da minha filosofia.


Não há camisa que me assente, a costureira diz que é defeito de fabrico, o meu corpo. Tenho dias que mais parecem noite. Já fui humorista mas de tanto rir caíram-me os dentes da frente. Agora riem-se de mim, e eu choro feito aquele puto ranhoso e chorão do quadro famoso. Quando estou a tomar banho, com o cabelo enshampoozado, falha sempre a água. Quando vou às “tias” encontro sempre lá alguém conhecido. De manhã o meu Peugeot nunca pega, tenho de o empurrar por uma estrada a subir. Os vizinhos nestas alturas estão sempre com muita pressa, ou a fazer coisas. O meu papagaio ri-se eu enervo-me e desloco parcialmente o maxilar. Chamo os bombeiros e vem a polícia.
O meu número da porta é o 13. O meu número do telemóvel acaba em 13, casei-me num dia 13, tenho 13 dias para pagar ao senhorio. Sempre me deixei perder no jogo a ver se tinha sorte no amor. Fui levado na cantiga. Na rua, quando estou com uma vontade imensa de fazer xixi, aparece sempre a minha antiga professora da escola primária a perguntar como está o seu menino. E eu a fazer que danço. O meu aniversário é sempre naquela data em que ninguém se lembra. Quando vou para dizer uma coisa importante fico gago.

O pai natal manda-me muitos cumprimentos. A filha do Elias trocou-me pelo meu irmão gémeo. Todas as frutas que mordisco tem um bichinho lá dentro. Tenho pé de atleta e muita gente pensa que isso é uma vantagem para o desporto. Fui operado aos pulmões e o médico deixou lá o seu cachimbo cubano, aceso. Quando perdi a virgindade fiquei com a sensação que fizera com o sofá. A minha mente mente. Sou uma pessoa de difícil acesso, moro no alto de um pinheiro. Uma vez fui ao oceanário a Lisboa e um tubarão sorriu para mim. Só mais tarde é que soube que ele tinha laços parentesco para comigo. Na ópera ou é o telemóvel a tocar com a música da Shakira ou são aqueles ataques de tosse que me deram a alcunha de Espanta-mortos.
Quando alguém dá um pum as pessoas desconfiam logo de mim. Eu fico tão corado que nem plantação tomates serve como metáfora.
Se estou a ver uma montra por volta das onze da noite pensam sempre que a vou assaltar. O meu partido perdeu as siglas num combate. A minha sorte está carregada de azares. Não sei por quê mas os meus estrugidos queimam-se todos, assim como os meus respectivos aventais bordados à mão.
No acidente de camioneta todos se salvaram excepto eu, que parti a perna em três lados. Se alguém cai e dá um berro, eu caio e berro em dobro. Quando vou à pesca ao rio os peixes vão dar uma volta até ao mar.

Milagre tive eu quando num dia de gente arrodos, num hipermercado, fui único refém de um bando de assaltantes que, por felicidade minha, fizeram a infância comigo num colégio de correcção. O azar persegue-me. Eu bem lhe finto mas acabo marcando golos na própria baliza. Na escola era o primeiro em quase tudo, principalmente a ir ao quadro e a experimentar as réguas. No dia em que ia começar a ter aulas de piano, fiquei tão contente que quis lançar um foguete ao ar, e não é que o gajo estourou-se-me nas mãos. O médico deu-me alta passados três dias. Mal saí do hospital tive de regressar devido a um traumatismo craniano. Quis descer as escadas de dez em dez degraus, para impressionar uma enfermeira que dava boas picas.


Quem me acompanha acaba por ter azar igual. Por isso ando sempre só, a piscar o olho às andorinhas, mas sempre com aquele cuidado. Não vá uma delas fazer na minha careca precoce. Afinal o que sou? O meu pai diz-me que já o pai o pai do pai dele era assim. A minha mãe quando lhe pergunto começa a rezar para não ter de chamar de novo o espiritista. Enfim, sou aquilo a que se chama: um sortudo dos diabos!