quarta-feira, 18 de maio de 2011

O playboy

As amizades, por vezes, são péssimos investimentos. Tenho dito com franqueza e alguma vaidade que as amizades só fodem um gajo. 
O Lino, por exemplo, é daqueles que nem vai nem deixa ir. É um tipo que fala bem e gesticula sem noção espacial. Gere uma lojinha de informática e gosta de ir até à praia mais a sua prancha de surf, embora a espete ao alto na areia e nem chega sequer a entrar mar adentro. Fica-se pela toalha. É só para dar nas vistas. Importa-lhe isso. Só isso. Gosto dele, da sua típica felicidade. Por vezes, estar com ele é de mijar a rir. Conhece muitos casos, coisas mirabolantes, outras ouviu contar. Depois relata à sua maneira, com mais entusiasmo e alguma pimenta. Usa sempre calças apertadas, à playboy, quase a estrangular os testículos. Mas ele é assim: um bom vivant que por onde passa, nota-se o cheiro de perfuminho atrás das orelhas. Ele diz que é para o caso de alguma lhe vir contar um segredo. Depois ri-se, até perto de um ataque de caganeira. Fazia tempo que não o ouvia, mas outro dia ligou-me, e notei nele um sotaquezinho abrasileirado. Talvez fosse impressão minha, ou talvez tenha finalmente cumprido a promessa de ir ao Amazónias ver as macacas. Não interessa. Interessa é que ele tem acompanhado os meus escritos num jornal cujas páginas são de cor verde e que têm dado que falar, sobretudo pela pouca vergonha que as caracteriza. Mas isto não importa. O que importa é que a voz do Lino entrou-me pela orelha esquerda e alegrou-me. Isso sim, fez-me pensar que a vida é uma merda cheirosa. Disse que precisava de falar comigo, nada de extrema importância, mais para dar aquele abraço. Sim, claro, respondi-lhe, sem nunca perder a atenção numa morena que atravessava a estrada e que por vezes enfiava a ponta do tacão entre paralelos que a fazia desequilibrar. O telefonema até calhou bem, já que o Lino é um tipo que fala sem parêntesis, sem as malditas aspas ou reticências. Diz de caras, e isso é um aspecto positivo para os dias que correm. No café do Villas, pareceu-me bem para um reencontro entre dois ex-combatentes de coisa nenhuma, mas ele preferiu lá na loja dos computadores. Por mim tudo bem, respondi-lhe. Fiz um bocado de tempo numa esplanada a dar consolo às vistinhas e depois fui, feito senhor doutor da improvisação.

Assim que o vi, vi que continua sempre em pé, ar citadino, típico de quem já viu meio mundo por um buraquinho qualquer. Enquanto mexia numas papeladas, dizia-me:

- Ei pá, tenho lido as tuas crónicas, bestiais! E quê, os gajos pagam-te bem?

- Nem por isso…já tive dias melhores. Mas estou a pensar em editar aquela porcaria em livro, falta é arranjar editor.
- Ó Bilinho, sabes que eu conheço muita malta, aqui e acolá, quem sabe um destes dias não te armo para aí uma surpresa.

Tão rápido falávamos das crónicas como de repente o assunto virou para onde jamais pensei que fosse virar.

- Sabes, Bilinho, estou à espera de um carregamento de computadores, da China. Um negócio em grande. Mas há um problemazito…

A palavra problemazito fez comichão no meu “menino”. Há anos que conheço a palavra mas sempre pensei que fosse uma palavra só minha, muito minha. Afinal vejo que é de tantos. Continuou:

- No entanto, estou à rasca em dois mil euros para fazer o negócio. E, sabes, pensei em ti!

Pensar em mim é bom. Acrescenta-me vida à vida que tenho. Mas, caramba, por amor de Deus, todo o mundo sabe que só em remédios para a cabeça gasto uma fortuna. Além do mais, ser cronista de jornal é o pior negócio do mundo - quanto mais escrevo, mais me enterro. Seja como for, quando lhe ia para dizer que não, que à rasca ando eu, a tinir por todos os lados, entrou um fornecedor mais uns clientes na loja - que me pediram autógrafos - a farejarem as últimas novidades tecnológicas. Como demoravam a escolher, pagar e sair, acelerei a conversa num português correcto, até porque tenho uma vida lá fora, dizendo-lhe que nem dois quanto mais dois mil! O fornecedor olhava para nós por olhar, os clientes a pensarem se alguma vez me teriam visto mais gordo.


- Escuta, Bilinho, neste negócio ninguém fica a arder. Além do mais, pensa no futuro, eu e tu, nas Espanhas a “espanhar” os costados.


Não quis saber de mais blá blá blá. Detesto que me façam sonhar. Despedi-me com um xau, até mais ver, a denunciar que, sendo assim, prefiro beijar na boca os inimigos. Fui em direcção à porta, a pensar por que me pesam os olhos neste fim de tarde. Mesmo à saída, o Lino, que nunca perdera a fala e o sorriso, para consolo dos ouvintes, disse-me em tom sobre tom:

- Bilinho, amigo, não te preocupes, vou ver o que posso fazer por ti para editares esse teu livrinho. Não desanimes, pá, continua a escrever, estou contigo, pá, abraços à família, tá!

Se bem me lembro, depois deste fim de tarde, um de nós foi parar ao cemitério.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Ai os Homens

Desta vez é que foi a gota de água. Não lhe perdoou nem um milímetro e, antes que a família metesse bedelho, tratou logo de lhe pôr as malas à porta, a esse bandido infiel, que chega a casa com o cheiro de outras. 
Oh! quantas já não teriam sido. O Leonel havia pisado o risco várias vezes, mas desta vez foi do lado de fora, ao que a sua querida esposa, farta de jogos de cintura, fez o que havia de ser feito, porta fora! 
O Leonel quis à sua maneira pôr as coisas a pratos limpos mas era tarde demais para limpezas espirituais ou algo do género, pois uma vez, vá que não vá, mas agora, várias?, nem que venha o diabo pedir clemência, com aquele monte de esterco na sua cama é que não mais. Não é não!
O certo é que, com estas e com outras, a sopa azedou e, «desculpar, só depois de morta. Assim não pode ser, cada um para o seu lado e pronto»
O melhor que a vida tem é que existe sempre pelo menos dois caminhos. As ilusões comem os melhores sonhos e depois, dos pequenos sonhos, ficam as tripas a ver-se. A Rosa não quer o pouco nem ou mais ou menos, quer o certinho direitinho. E, uma vez sozinha, tratou de arranjar outro alguém para lhe aquecer o bife, para quem sabe, talvez um dia casar.
Artur era o seu nome, um rapaz que só tinha olhos para a pesca, que fim-de-semana sim, fim-de-semana não, lá iam os dois, de farnel bem apetrechado, fazer uma grande pescaria. Era bonito vê-los, sorrindo como duas crianças que desconhecem o futuro. E o amor era verbo que andava de boca em boca. Felizes, viviam no sétimo andar da felicidade. Só que o Artur gostava pouco de vergar a mola, e o trabalho só o via de longe. E os dias passava-os em casa, enfiado nas internetes. Como se a vida fosse apenas isso. 
O amor começou a entrar por vias desconhecidas, e a Rosa, embora quisesse salva-lo, não podia ser, não podia ser, e num berro mandou-o de volta para a casa da mãe dele, pois ela que o sustente. 
E assim, outra vez só e a desejar que os homens não sejam todos iguais. Pela vizinhança cochichavam que a Rosa não tem a sorte desejada com os homens, que a sua sina talvez fosse essa, não acertar em porra alguma.

Depois do Artur veio outro, que não andava na noite nem era mandrião mas que pelos jeitos gastava tudo o que ganhava em casinos, e tinha dívidas aqui e acolá, um horror. Também não aguentou que lhe viessem bater à porta para lhe mostrar mais um pagamento em atraso e, em vez do anel prometido, deu-lhe antes com os pés. Foi preciso o primo direito dela, o António, um mocinho que estudou para ser enfermeiro e que tem um coração do tamanho do mundo, apresentar-lhe o Claudinho, amigo de trabalho, com uma honestidade acima da média, de passado limpo e com alegria na voz, para o amor funcionar. Só tinha um senão: fazia o turno da noite alguns dias da semana.
Mas isso era o menos e o amor supera tudo e arranja sempre um tempinho para o que bem entender. 
Bem, o mais importante foi a química estabelecida entre os dois pombinhos que, quem os visse, diziam que foram feitos um para o outro. Sempre tão agarradinhos e com beijocas para dar e vender. Não havia nadinha a apontar. O Claudinho era daqueles que parecia ter sido feito de encomenda, um jackpot.
E a Rosa saía de casa mais contente que a Pipi das Meias Altas, sabendo que ele faz de tudo lá em casa, tem mãos para tudo, desde o passar a roupa a ferro até à culinária, onde faz brilharetes. Ela chegava a casa ao fim da tarde e tinha tudo prontinho na mesa. A felicidade que se conta é bem maior do que aquela que escrevo. Os pensamentos estavam voltados para o lado mais feliz da vida. A vizinhança não tinha que dizer, era um bom homem, sim senhor, que tomara a muitas ter um homem assim como o Claudinho, que ao anoitecer saia de casa para ir trabalhar, chegar de manhãzinha, e mesmo assim, põe tudo em ordem. ao fim da tarde, a Rosa chega do trabalho, recebe-a nos braços com toda a sua delicadeza, fica a fazer horas no colo dela, a contar-lhe as últimas, liga para o António a perguntar se já vem a caminho, pois vão os dois no mesmo carro para poupar no combustível. A Rosa despede-se do seu querido amado com um beijo tão forte que o deixa a sorrir ingénuo e feliz. Depois vai à janela para lhe atirar um chocho. Quer vê-lo, até sair do ângulo de vista. 
Lá em baixo está o António,  fulo, esperou mais de cinco minutos pelo amigo, faz o carro arrancar a todo o gás, pergunta-lhe se a Rosa ainda está à janela, ele diz-lhe que não, pergunta-lhe se tem a certeza, o Claudinho volta a olhar pelo retrovisor e diz-lhe outra vez que não; o frio já não faz tremer, a noite está no ar, as mãos na perna um do outro também, vão pela estrada fora, as estrelas acendem-se uma a uma, e por fim, salvos, encostam o carro e beijam-se calorosamente cheios de saudades.