sábado, 15 de maio de 2010

a mim não me enganas tu

- Bom dia, venho falar com Deus. Esse mesmo, o Todo-poderoso. Será possível que Ele dê uma chegadinha aqui à recepção. Diga a Ele que é o Bilinho. Sim, o Bilinho, o homem que cumpriu mil e uma promessas, beneficências arrodos, dei pacotes de arroz à saída do super mercado para ser entregue lá para os lados de Angola e, credo, assim que soube que o meu despacho não foi autorizado, aqui estou para apresentar queixa.

- Mas...

- Qual mas! Eu, que toda a vida cumpri os meus deveres, sorri para que outras bocas pudessem sorrir, dei pão a quem não tinha pão, agora é isto? Negam-me a entrada? Chame já Deus antes que arranje aqui um 31 do caraças! Você não me conhece. Julgará que, lá por ter esta ligeira miopia ou a falha de um dedo na mão direita, que tenho medo de armar as minhas tropas e invadir este sossego que me nega? Está a ouvir? Vá lá e diga a Ele que se levante da poltrona, que o Bilinho está aqui com uma fúria do outro mundo, capaz de ser capaz de borratar o azul ao azul do céu.

- Vamos lá com calma.

Calma?! Acha que estou chateado, aborrecido, importunado? Não, desculpe, o senhor está tontamente enganado, sou de paz e em paz quero perpetuar neste movimento. Não mude de assunto. É urgente saber por a + b por que é que o processo respeitante à minha doce eternidade foi recusado. Preguei o amor, criei raízes bem fundas para que a verdade se erguesse ao mais alto de nós, e em troca dão-me incertezas? Acha isto justo? Está a ouvir, ó porteiro!

- Ó homem de Deus! Aqui é o inferno! – Falou o porteiro que só agora teve a oportunidade de o interromper.

Ao Bilinho, a palavra inferno fez-lhe uma náusea tão grande que engoliu um cuspo bem seco, deixando-lhe a língua meia travada onde o mas, mas, mas, era a única expressão que tinha para dizer. Desfez o seu equívoco com um óóó e, o porteiro, aceitou isso como um pedido de desculpas mas, antes que o recém-chegado apanhasse um susto de morte-morte, rodou o manípulo da porta, abriu-a escancaradamente para que pudesse ver com os seus dois olhos amargurados de que o inferno não é nada daquilo que falam lá na terra. Longos riachos onde o silêncio empresta a sua serenidade. Pássaros visionários sobre um céu limpo e sedoso. Não havia nada de fogo nem de pessoas a arder como nos relatos. O amor era uma canção em cada rua. As pessoas abraçavam-se com tamanha felicidade e os campos floriam em cada pensamento. Não havia fome nem desgraças.

O espanto, por ser espantoso, foi digno de o Bilinho dar duas voltas ao pescoço e dali escutar-se uns pequenos estalidos vindo dos ossos, pois perante aquilo que observava, se o inferno é assim, ó pá, que se lixe o paraíso! Até porque, para lá da porta estavam também mulheres esbeltas e com vontades de. Mulheres virgens, nunca sonhadas, jamais olhadas ou sequer beijadas. Tudo à disposição. Incluindo grandes rocks e guitarradas.


O porteiro topou a feliz admiração do crente que, sem que dissesse nada, era notório que o seu discurso iria andar para trás. Não falava nada. Tossia baixinho para dar a entender o seu entusiasmo. Mas que entusiasmo! A sua vontade era idêntica ou semelhante a de um boi de cobrição a querer saltar a cerca.


Por achar que tinha dado antena demais ao aparato, foi numa ironia ironizada que se virou para o dito cujo e perguntou:


- Entra, ou prefere a pasmaceira do paraíso?


Após um nico de silêncio e de já ter passado a língua nas beiças para aparo da água na boca, o homem, que queria o encontro imediato com Deus, deixou de querer e, num aprumo rápido, ajeitou o cabelo com um pouco de cuspo, fez estalar os nós dos dedos, para depois, mais rápido que o Lucky Luke, entrar num tirinho e, mal se viu lá dentro, agarrou-se logo a duas delas com perícia, sem perícia, sem técnicas nem malabarismos, e pimba, catrapimba.
Adormeceu na serenidade dos anjos, embora por ali não existissem, sonhando e rogando com passarinhos e tudo mais.

Na manhã seguinte, ainda a meio ensonado, sentiu alguém a apalpar-lhe as cascas. Por estar no escuro das trevas, procurou de imediato o interruptor para ligar a luz e avaliar a situação com os seus próprios olhos e, assim que viu uma cambada de matulões a querer coisas no vá de retro, gritou por socooorro, tirem-me daqui! O porteiro desta vez abriu um rectangulozinho que tinha no centro da porta. O Bilinho ficou incrédulo ao ver que toda a paisagem em sua volta estava mudada, pois onde antes havia pássaros agora havia corvos esfomeados, as mulheres eram gringos, gajos enormes com ares de quem gostam de enrabar, lixo por todo o lado. Perguntou-lhe no meio de uma aflição: o que é que é isto, meu irmão?

- Ó pá, é que ontem foi 1 de Abril, dia dos enganos cá no inferno, hoje, infelizmente, voltou tudo à normalidade! – Respondeu o porteiro, com aquela vozinha típica de “a mim não me enganas tu”.





terça-feira, 11 de maio de 2010

só me saem velhas!

É uma contradição: a peixeira é um bom bife. Se não fosse ela o meu jejum era perpetuado.
Desde que reatamos que já lá vão mais de duas dúzias de… noites a decifrar o olhar maluco da lua.
A coisa parece ficar séria.
Ela está com ideias em me levar ao altar. Eu já lhe disse que sofro de vertigens e que, deus está de olho em mim desde que a Andreia se pôs a mexer quando soube que afinal os meus poemas tinham outros destinatários.
Mas a vida soube-me dizer: vai em frente, meu irmão! A Licas a bem dizer tirou-me da merda, trouxe-me de novo ao romantismo. Eu já não sabia o que era fazer amor à sombra da bananeira, sem ter que me preocupar nadinha, nem sequer em preencher a folha do IRS. Ela a fazer tudinho, inclusive a merenda.
Mas que ninguém se deixe ir em ilusões, pois a qualquer momento pode vir por aí um vento que nos muda a direcção numa velocidade de galgo de competição.
A Licas tem o negócio que herdou da mãe, que coitada, está em casa com a clavícula num oito. Não se pode mexer, nem num pentelho, sequer. A primeira vez que fui lá a casa, a dona Miquinhas gostou de mim e teve a gentileza de dizer que era um bom caralho.
Depois riu-se com aqueles dentes que raramente vêem pasta dos dentes. Mas é boa criatura, a velha, tanto que até me passou as chaves da carrinha para ser eu próprio o motorista.

E os dias foram assim: eu e a Licas a cobrir várias freguesias na venda de peixe. Pescada, salmão, fanecas, robalos, sardinhas, carapaus, etc, enfim, aviávamos de tudo que vinha do mar.
As notícias de que o país estava-se a afundar já não me diziam respeito, afinal de contas a Licas tinha e tem umas boas bóias.
E, de vez em quando, lá tinha eu de fingir que naufragava. A vida ia boa, com a mesa cheia de comida e vinho até dar com pau. Só quando a Dona Miquinhas me começou a tratar por genro é que as coisas começaram a ganhar um paladar diferente, a sentir um aperto de ambos os lados.
Da Licas e da mãe dela, que queriam à força que a boda se fizesse nos entretantos. Fui adiando decisões, embora participando naquela treta de aconselhamentos matrimoniais, que me davam cá uma neura nos perlimpimpins.

Por causa das minhas indecisões o meu assobio começou a não se fazer cantar. Eu até gostava da Licas, principalmente entre as 21 e as 23 horas, que era quando estávamos agarradinhos, a ouvir Wager, sem aquele cheiro a mexilhão mas, os meus quarenta e três anos ainda me diziam que ainda é cedo para me deitar todas as noites com a mesma. Fui buscar coragem não sei onde e, depois de uma bruta mariscada lá na casa dela, tive de lhe dizer: Licas, as coisas não são bem assim!
A reacção dela foi imediata: levei com um lagostim na moleirinha que me lixei por quinze dias úteis. Antes isso do que levar um pontapé nos entrecostos. Lá me aguentei os dias seguintes sem comer o bacalhauzinho a que estava já habituado.

E fiz-me a outros negócios de carnes.
Na minha cabeça só tinha a voz da velha, quando à mesa me dizia: ai de ti que faças mal à minha menina! Eu achava engraçado ela chamar de menina a uma mulher de noventa e tais quilos, fora aqueles que eu ajudei a derreter, claro.
Cheguei a ter pesadelos e a acordar de noite, a imaginar a velha de camisa de dormir, sem nada por debaixo, a caminhar na minha direcção, com aquele sorriso de levar um lutador de sumo ao tapete em fracções de segundos.

Quais comprimidos, quais livros do José Ilídio Torres para adormecer. Nicles! Sentia-me possuído por aquela velha que, quase de certeza me rogou uma praga bem rogada.
Tentei um médico mas não adiantou. O caso não era clínico, era sim psicótico. Pois em tudo que olhava só via a puta da velha, a sorrir. Tinha de tirar esta imagem da cabeça.
Experimentei várias bruxas, inclusive a Paulina que me enfeitiçou durante o verão, mas não deu em nada. A velha, a velha, a velha.
Uma verdadeira alucinação os meus pensamentos que, à custa disso, há dias que não sabia o que era uma erecção.

Tentei seguir vidinha sem grandes alaridos, sem grandes curvagens, sem grandes arremessos. E lentamente voltei à normalidade, embora com uma espinha atravessada na garganta: o estar teso como um carapau. Dias depois, estando eu no meu sossego medieval, recebi uma chamada.
A velha sucumbira! Fora atacada por uma virose à conta de um bife mal passado.
Não aguentou os fármacos e morreu com aquele sorriso que nunca conhecera a vida.
Podem não acreditar mas fiquei melhor um bom pedaço. Parecia que respirava flores em vez de bidés mal lavados. Fui para a rua festejar com uma garrafa em cada mão e deixar-me de lamentos. A Licas ligou-me a contar o que eu já sabia, disse-lhe, sinto muito e olha que vou rezar pela tua querida mãezinha.
Desliguei e continuei na minha felicidade.
Passei por uma montra que dizia: precisa-se de motorista. Ora, nem de propósito, como tinha uma certa experiência fui lá oferecer os meus serviços. Atendeu-me uma velha muito sorridente. Sentada numa cadeira de rodas. E a seu lado, uma jovem a querer saltar a cerca. Aceitei os 600 euros que ela me ofereceu e ainda a possibilidade de sacar a filha para os meus braços que, numa troca cruzada de olhares, parecia mesmo essa a intenção da velha, e por jeitos, agradava à morena a ideia de ser comida por mim.
Os dias seguintes foram longos e intermináveis. A velha tivera há uns meses atrás uma trombose mas desenrascava-se bem lá na sua cadeirinha manual. Eu ia fazer umas entregas de pão com chouriço caseiro pelas portas mais a Judite e, à noite, depois dela deitar a mãe e dar-lhe a papinha na cama, amávamos como dois anormais.

Tudo lá no alto.
Eu bem tinha dito um dia que a felicidade é um vaivém do caraças. Comida na mesa, roupinha lavada, quem é que não quer vida assim? A Judite soube mexer comigo e eu soube mexer nela, mas sem estragar muito. Pois eu no fundo sabia que, mais tarde ou mais cedo, podia dar para outros que viessem a seguir.

É tão bom abrir a janela e saber que a vida corre numa sumptuosidade tal que parece que trás as mamas de fora, a vida. Finalmente sabia o que era ter meia dúzia de trocos no bolso e uma barriga à chefe de família.

Um dia de manhã deu-se o pior, numa curva não fui a tempo e a carrinha só parou no outro lado da estrada. Graças a deus que eu fiquei bem, agora a Judite, graças a não sei quem, ficou toda desmanchada, desencolatrada. Dois dias no hospital e voltou toda engessada.

Tive esses dois dias na cama, completamente coberto pelos cobertores, a fingir uma meningite para não ter que limpar o cu à velha. Dois dias foram suficientes para que um cheiro nauseabundo pairasse por todo o prédio e os inquilinos começassem a reclamar com insultos sofisticados.

A Judite estava tola.
Eu já tinha ultrapassado essa fase, estava numa loucura mais estilo neo-realística, a escrever poemas em cima de poemas para não ter de esganar ninguém.

- Escuta, Judite, sou apenas motorista e não tenho de andar cá a mudar fraldas a ninguém, muito menos a velhas.

- Mas é minha mãe, porra, não é uma pessoa qualquer, é a tua futura sogra!

Calmamente, vim à janela, olhei o céu, respirei, fui buscar ar aos colhões, voltei a olhar o céu e vi um anjo com ar de tinhoso a sorrir para mim.
E noutra janela esta uma velha filada em mim, com um olhar atractivo.
Não há nada a fazer. Por muito que tente corrigir o destino, o meu é só um: só me saem velhas!




Sou maluco, sim senhor

Sim senhor, sou maluco, com visto carimbando pela associação de malucos do norte.
Ó, veja aqui, esta minha foto no cartão, veja lá se não sou eu? Para que saiba, sou maluco desde mil novecentos e noventa e quatro, ano em que descobri a bolinha de ping-pong amarela.
Desde daí, nunca mais parei de jogar com a bolinha contra as paredes dos edifícios públicos.

Sou maluco, com vários campeonatos ganhos, portador de medalhas ao peito para quem duvidar. Estudei muito para ser maluco, ajudei pessoas normais a se tornarem perfeitos malucos, tenho o orgulho de, em vinte anos de carreira, nunca usar meias da mesma cor em cada pé, nunca entrar em casa pela mesma janela.

Claro que nesta caminhada há muitos invejosos, gente normal que quer ser como eu, mas coitados, coitaditos, falta-lhes uma boca para engolir insectos e cuspi-los vivos. Como eu fiz certo dia, quando numa demonstração de desafogo mental, lá em frente ao juiz para que, antes de bater o martelo na mesa, dissesse: este gajo é maluco!

Ser-se maluco hoje em dia é arriscado, dá dor de cabeça, investe-se energias, já que, até os normais estão fazendo coisas incomuns e, maluco que se preze, tem de variar, fazer o que os outros não fazem, subir ao coqueiro mais alto, fazer enormes círculos com o xixi, logo, a imaginação tem de estar sempre em alta rodagem até fazer pião no pensamento veloz.

Só tenho a infelicidade de não ser um maluco por natureza, tive de aprender com os mais velhos, participando em colóquios, passar fins-de-semana em acampamentos com malucos mais experientes, trocar a minha religião por uma seita de malucos, afiando lápis nas orelhas, escrevendo poesia porno-popular.
Se eu não fosse maluco, a minha vida seria tão monótona, mas tão monótona, que o meu sangue reclamaria, os meus olhos acabariam por se tornarem ridículos ao verem sempre esta realidade tão carente e tão térrea.

Sou maluco sim senhor, já falei deste assunto com duas borboletas que me confirmaram. E vocês sabem que as borboletas não mentem. Maluco que é maluco corre atrás de um sonho sem pensar em desistir a meio. Maluco vai em frente, um pouco como a galinha, acreditado que, ao correr, o mundo gira. O meu sonho é casar com uma maluca e ter filhos maluquinhos.
Se houver alguma por aí que deixe recado por debaixo da porta que, assim que voltar do planeta Malaico, onde estou fazendo uma pós-paranóiquice, responderei.

Recordo com alegria o dia em que o médico me passou o atestado de doideira dizendo que o melhor era eu afastar-me da civilização.
Dei-lhe um beijo na face e corri atrás de mim para contar a novidade. Desde esse dia, deixei o trabalho, ganho uma pequena reforma e sou maluco a tempo inteiro. Assim sendo, fico mais por casa a roer as unhas dos sapatos e a envernizar as folhas das plantas.

Eu sei que você gostaria de ser como eu, vá, confesse, gostava ou não gostava de sair à rua sem aquela capa de mentira?
Mandar para o tanas quem tiver de mandar, ter um caso de amor com uma boneca de porcelana, ir às compras com o seu peixe de estimação, e os dois a carregar o cesto das compras, cada um com a sua asa.
Impressionar a gente culta com o tamanho dos seus olhos arregalados e boca meia de lado, dar um festival em como se dança no meio da rua sem ter música a tocar.

Está pensando o quê, que não sei distinguir a batata do escaravelho, que falo as coisas por falar? Acha que sou o quê, pirado da cabeça, fusíveis a menos, que passo a vida a falar com as pedrinhas, ou que não sei quantos dedos tenho numa mão? Vá chamar maluco à sua tia, ouviu, que eu não o conheço de lado nenhum, seu normalzinho!


terça-feira, 4 de maio de 2010

As conhecidas e velhas crises

- Ai amor, deste lado faz-me cócegas!

- Roberto, assim não dá! Quero avançar na ideia e tu tens que neste momento exacto, nesta precisão microscópica, neste quase infalível segundo, virar a cara ao lado!
Tens que me dizer o que tens! Não foi para isto que casámos, pois não?! Dantes, eras diferente, a tua vontade sobrepunha-se mil vezes à minha, adormecias com a tua perna em cima da minha, era preciso muita habilidade para te acalmar, ou já não te lembras que era assim? Depois havia noites em que interrompias o meu sono para aquilo que sabes bem. Agora é isto!

- Ai amor, deste lado faz-me cócegas!

Se o casamento viesse com possibilidade de devolução, garanto que te devolvia já amanhã ao sindicato dos sem-amor! Os teus beijos são tão rápidos que nem despertam o interesse nem sequer o interessado.

Fazes ideia há quanto tempo não nos beijamos como dois adolescentes? Pois digo-te: talvez há mais de sete anos, ou oito, ou quem sabe vinte.
Vá lá, Robertozinho, o desejo vem de todos os lados. Não te importas que afirme isso? Já não tens ciúme?
Lembras-te quando perguntavas sempre para quem é que eu estava olhando? Pois é, querias a atenção toda, agora, é isto: eu deito para um lado da cama e tu deitas-te para o outro lado, feitos dois brinquedos desligados. Aquelas boas-noites quentes, apagaram-se, adormeces que nem bebé, com as meias calçadas, com o coiso apontado para o sul, ressonas como uma vara de porcos e só acordas de manhã feita avestruz a dar à luz. Olha, é tão verdade que até rimou!

Definitivamente, não queres saber mais de mim! Pergunto: que foi que mudou desde a última vez, que foi que mudou?!
Daqui a pouco até me esqueço como se faz e o meu sexo dará só para fazer necessidades. E nada mais!
Tens de me dizer o que tens! Por que é que negas o calor da minha carne! Roberto, se eu sei de algo que ainda não sei, ah rais ta parta, faço de ti e do teu biscoito um assunto encerrado. Não me tentes, ouviste! Sou capaz até de virar macho só para te pôr fininho. Deixa-me tocar-te, sente o que sinto. Vá lá, ao menos tenta!

- Ai amor, deste lado faz-me cócegas!

- Porra, para o teu humor! Nunca estás pronto quando eu quero que estejas! Só te oiço falar que fazes e aconteces quando tens os teus amigos por perto. Aí, quem te ouvir falar, com essa tua lábia de D. Juan cá do sítio, julgará que Deus te safou de uma má potência ou que ainda tens muitos quilómetros para marchar. Treta! Precisavas era que eu contasse a eles que tu e o teu Benjamimzinho estão acabados, mortos, nikles.
Ou cansou-te sempre e sempre o mesmo peixe, foi isso?! Ou gripou o motor como em tantas vezes?! Ah, não me digas que é outra vez a asma ou a figadeira! Nessa já não caio!

- Ai amor, deste lado faz-me cócegas!

Vá lá, Roberto. Dá-me uma palmadinha no traseiro como dantes fazias. Uma pelo menos. Vamos recordar velhos tempos, esquece as tensões altas e o açúcar no sangue.
Pega, toma este comprimido azul que comprei na farmácia, só para hoje, quero ver-te a engolir, vais ver que resulta, que aquece o corpo e a alma. Ferra-me na orelha, ó sim, diz-me aquelas palavras obscenas, mágicas, chama-me condessa que eu gosto, vamos comemorar como se fosse aquela primeira vez na garagem do teu pai quando eu tinha ainda a pele esticadinha, não sobrava no pescoço, a anca estreita, sem variz a incomodar, os seios coisa e tal. Vá lá Roberto, vamos comemorar pelo menos esta noite os nossos cinquenta anos de casados.

- Ai amor, artroses, artroses!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Eu, e a minha máquina de lavar

Caríssimos leitores, sejam bem-vindos a mais uma rubrica em que o autor, após queda ao experimentar o efeito dos saltos altos, deu de queixos na calçada portuguesa. Voilá, por sorte nenhum senhor da conservação do património estava a passar no momento.
Mas, nem tudo o tombo levou. Nesse dia fiquei a conhecer o senhor Ernesto, exemplo de como contornar obstáculos sem ir à volta, ex-campeão regional de lançamento de cuspo, nos idos anos oitenta, com o record que ainda hoje se mantém, 35,17 metros de distância. Dizia com saudade e um choro miudinho, enquanto deliciadamente me exibia o seu cartão de praticante. Infelizmente a vida tem destas coisas, o senhor Ernesto foi forçado a largar a modalidade desde que o vinho encareceu e, ainda para mais o tipo da adega que lhe patrocinava às prestações, deu o badagaio. Mas nem vale a pena falar mais nisso, porque passado é passado.
Agora é uma pessoa feliz, disse-me, com a cramalheira a fugir para tons de beije, sempre que sorri.
O senhor Ernesto, tem uma particularidade abismal, mora numa máquina de lavar roupa há cerca de ano e meio, e recorda que os anos anteriores não lhe foram de todo favoráveis, até porque corria na barra do tribunal o processo de separação e a custódia dos seus sete filhos e outros tantos por perfilhar.

- Agora vivo tranquilo, senhor Silver, na minha máquina de lavar, e ninguém me incomoda! – Diz o homem sem querer com isso provocar alguma inveja.
- Mas ó senhor Ernesto, a adaptação devia ter custado um pouco, não, principalmente para os costados.
- Quando entrei pela primeira vez para esta minha nova moradia, sim. Não sabia onde é que iria pôr uma terrina da cristal D’arques que veio junto no enxoval e, quando quero fumar um cigarrito, tenho de sair da máquina de lavar por ter pouca aragem.

- Mas você não tem o sonho de morar numa coisa melhor, uma casa?

- Bem, o meu sonho é...como lhe dizer sem denunciar a minha timidez…não repare, sou assim, foi desde que conheci uma mulher, bonita como os raios de sol pela manhã, e, após falarmos disto, falarmos daquilo, os afectos a correr-nos nas veias, estamos a pensar em casar, juntar os ossos e as carnes, e como deve calcular, precisamos de mais espaço para unir as nossas vidas, os nossos sonhos, que temos vindo a batalhar, por isso, uma máquina de lavar maior um bocadinho, tipo: 2 por 3, com um bom tambor de rotação a baloiçar devagarinho para os dias que custa adormecer, era o melhor que nos podia acontecer. Se possível com um cantinho para a criança que vai nascer e poder brincar à vontade.
- Não compreendo, mas isso não será no mínimo...apertado!
- Nada disso, tenho projecto na cabeça, se tudo correr bem no dia 27 de Maio estarei eu e a minha Mélinha na nossa nova máquina de lavar, a contar o dinheiro das prendas antes de estrearmos o colchão ortopédico, que só Deus sabe o quanto lutei em tribunal pela custódia dele. Na altura em que eu era atleta de lançamento de cuspo, estava em alta, e conheci muita gente importante, mexia-me bem no meio, foi a partir desses meus conhecimentos que, com uma cunha (chegou-se bem perto do meu ouvido, “mas não diga a ninguém”) obtive licença para colocar a máquina de lavar no alto de um pinheiro, situado num baldio da Panasqueira. Sabe senhor Silver, estou muito contente, vivo os melhores dias da minha vida!

Depois, um silêncio nostálgico, um poisar de olhos pelos botões de máquina de lavar e, como o vento nada trazia nada levava, despedimo-nos com uma certa velhice, mas antes disso, perguntou-me:
- E você, senhor Silver, como vai a sua vida?

Hesitei, trinquei o lábio de baixo para ter tempo de pensar, no curso de direito que tenho para acabar, depois estagiar no chupista do advogado, na obsessão que tenho pelas dietas, separar as gordurinhas, as ameaças de corte de luz. Lembrei a bosta que foi quando apanhei Nita em flagra a gritar golo do Porto, a felicidade a ir pelo saneamento, pus-lhe a mão no ombro (entrou a música do Titanic) e perguntei-lhe: - Que máquina de lavar me recomenda?