segunda-feira, 3 de maio de 2010

Eu, e a minha máquina de lavar

Caríssimos leitores, sejam bem-vindos a mais uma rubrica em que o autor, após queda ao experimentar o efeito dos saltos altos, deu de queixos na calçada portuguesa. Voilá, por sorte nenhum senhor da conservação do património estava a passar no momento.
Mas, nem tudo o tombo levou. Nesse dia fiquei a conhecer o senhor Ernesto, exemplo de como contornar obstáculos sem ir à volta, ex-campeão regional de lançamento de cuspo, nos idos anos oitenta, com o record que ainda hoje se mantém, 35,17 metros de distância. Dizia com saudade e um choro miudinho, enquanto deliciadamente me exibia o seu cartão de praticante. Infelizmente a vida tem destas coisas, o senhor Ernesto foi forçado a largar a modalidade desde que o vinho encareceu e, ainda para mais o tipo da adega que lhe patrocinava às prestações, deu o badagaio. Mas nem vale a pena falar mais nisso, porque passado é passado.
Agora é uma pessoa feliz, disse-me, com a cramalheira a fugir para tons de beije, sempre que sorri.
O senhor Ernesto, tem uma particularidade abismal, mora numa máquina de lavar roupa há cerca de ano e meio, e recorda que os anos anteriores não lhe foram de todo favoráveis, até porque corria na barra do tribunal o processo de separação e a custódia dos seus sete filhos e outros tantos por perfilhar.

- Agora vivo tranquilo, senhor Silver, na minha máquina de lavar, e ninguém me incomoda! – Diz o homem sem querer com isso provocar alguma inveja.
- Mas ó senhor Ernesto, a adaptação devia ter custado um pouco, não, principalmente para os costados.
- Quando entrei pela primeira vez para esta minha nova moradia, sim. Não sabia onde é que iria pôr uma terrina da cristal D’arques que veio junto no enxoval e, quando quero fumar um cigarrito, tenho de sair da máquina de lavar por ter pouca aragem.

- Mas você não tem o sonho de morar numa coisa melhor, uma casa?

- Bem, o meu sonho é...como lhe dizer sem denunciar a minha timidez…não repare, sou assim, foi desde que conheci uma mulher, bonita como os raios de sol pela manhã, e, após falarmos disto, falarmos daquilo, os afectos a correr-nos nas veias, estamos a pensar em casar, juntar os ossos e as carnes, e como deve calcular, precisamos de mais espaço para unir as nossas vidas, os nossos sonhos, que temos vindo a batalhar, por isso, uma máquina de lavar maior um bocadinho, tipo: 2 por 3, com um bom tambor de rotação a baloiçar devagarinho para os dias que custa adormecer, era o melhor que nos podia acontecer. Se possível com um cantinho para a criança que vai nascer e poder brincar à vontade.
- Não compreendo, mas isso não será no mínimo...apertado!
- Nada disso, tenho projecto na cabeça, se tudo correr bem no dia 27 de Maio estarei eu e a minha Mélinha na nossa nova máquina de lavar, a contar o dinheiro das prendas antes de estrearmos o colchão ortopédico, que só Deus sabe o quanto lutei em tribunal pela custódia dele. Na altura em que eu era atleta de lançamento de cuspo, estava em alta, e conheci muita gente importante, mexia-me bem no meio, foi a partir desses meus conhecimentos que, com uma cunha (chegou-se bem perto do meu ouvido, “mas não diga a ninguém”) obtive licença para colocar a máquina de lavar no alto de um pinheiro, situado num baldio da Panasqueira. Sabe senhor Silver, estou muito contente, vivo os melhores dias da minha vida!

Depois, um silêncio nostálgico, um poisar de olhos pelos botões de máquina de lavar e, como o vento nada trazia nada levava, despedimo-nos com uma certa velhice, mas antes disso, perguntou-me:
- E você, senhor Silver, como vai a sua vida?

Hesitei, trinquei o lábio de baixo para ter tempo de pensar, no curso de direito que tenho para acabar, depois estagiar no chupista do advogado, na obsessão que tenho pelas dietas, separar as gordurinhas, as ameaças de corte de luz. Lembrei a bosta que foi quando apanhei Nita em flagra a gritar golo do Porto, a felicidade a ir pelo saneamento, pus-lhe a mão no ombro (entrou a música do Titanic) e perguntei-lhe: - Que máquina de lavar me recomenda?

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