quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

esta crónica não é crónica

Isto não é uma crónica, não é uma prosa poética, não é poema, não é texto de literatura, não é uma confissão, não é excerto de prefácio, não é propaganda, não é panfleto partidário, não é demagogia, não é testamento, não é troca de correspondência, não é assunto para ninguém, não é piada que se conte, não é cópia de nenhum original, não é certidão de porra nenhuma, não é querer dizer mais do que aquilo que é, não é guião de filme de terror nem suspense, não serve para nada, não é bem visto, não é acto de coragem ou preguiça, não é extraído da consciência, não é método de exorcismo, não é fundamental, não é para nenhuma idade, não tem catecismo, não é positivo, não é reciclável, não é texto que se escreva num jornal como este, não tem cenário por detrás das palavras, não tem quota de inteligência, não tem metáfora de abrir a boca de espanto, não tem selo de recomendação, não tem pátria, nem a p* que o pariu!
Este texto tem umbigo, mas está sem baço e sem pescoço, tem uma justa injustiça, tem um rio sem braços, tem um automóvel em contra-mão, tem Napoleão ressuscitado, tem uma panca que empanca, tem e não tem. Não tem fintas, não serve para o futuro, não é para que desista agora, não tem fatos nem factos, não foi feito com boas companhias, não tem cheiro a resina de pinho, não tem por que ter, não tem saúde nem doença. Este texto é neutro, sem clube, sem sexo, sem mãozinhas de veludo. Por ser humana, faz comichão.
Quando muito pode ser cocó de pássaro que sobrevoou esta folha branca e as letras assim ficaram, neste texto que não é texto nem é pretexto para eu estar a falar. Isto que vou dizendo não é recomendação nem tão-pouco antevisão do que vai acontecer. Não tem sabor a chocolate mas tem cor parecida, tem talvez sim ou não a minha vida aqui metida. Também tem pedaços de porcelana e nódoas de café e quem sabe um pouco de melancolia em forma de ovo. Se encostar uma orelha a estas palavras pode ser que oiça algo, um eco que transforme a sua vida, portanto, aguente mais um pouco e saberá para que serve este texto que eu juro que em toda a minha vida não escreverei outro igual. Pois pode ter a vantagem de não ter vantagens, pode querer ser pai e filho ao mesmo tempo.
O que está lendo aparentam ser palavras, promessas furadas, tatuagens que não duram mais que duas horas, relógios com cucos a bater mal das ideias, presunções atómicas. Olhe que não!, este texto é para a senhora ali, é para o senhor acolá que está mordendo o lábio, é para que saibam que eu não sei o que digo, é para despertar quem não está a dormir, é para quando a castanheira não tiver mais jornal e quiser fazer o cone, é para aquecer melhor o arroz, é para aquele que foi na mata com uma aflição daquelas.


Se você desistiu de ler, então não saberá que este texto tem por missão combater os astros, as fracas sinas, os maus-olhados, os bens-olhados, fazer de conta que. Se continua lendo, então vai saber que este texto tem por único e singularíssimo objectivo dar um tiro ao ar, mas sem ferir nenhum Deus. Ou, quiçá, convencer o peixe a saltar para o prato, ou ganhar apetite sexual antes de dormir ou ter como desculpa que chegou tarde a casa porque caiu de riso ao ler isto?
Mas atenção, não é um xarope nem produz efeitos de grandezas. Este texto é do mais simples e natural que pode haver, depois de o ler não o quererá mais ler, quererá manter a distância entre o ser e o não-ser. Porque aqui vai encontrar os restos mortais do Almada Negreiros, o sangue do Vasco da gama, o olho perdido do Camões. Mesmo que não encontre posso dizer que eles aí estão, por detrás de cada verso bebendo conhaques e jogando a bisca. Estou a ser longo? O senhor está fervendo? Não conseguiu chegar até aqui? Foi-se embora por quê? Responda-me!


Estou triste…você foi-se embora e deixou-me aqui sozinho. Pensou desde logo que este texto não serve para nada a não ser para alimentar o meu ego canino. Então digo-lhe, se desistiu, aconselho-o vivamente a procurar um neurologista. Eis o meu diagnóstico: você está com problemas de stress, sabe que a vida corre e não a acompanha. Você precisa é de descanso, de jardinar o seu pensamento, enfim, experimente ligar para o relax a ver se lhe sai a sorte grande ou troque de parceiro. Se foi dos que chegou ao fim do texto, parabéns, você está bem de saúde, pois segundo este texto - que é um medidor de pressão arterial e outras ansiedades – as suas tensões rondam os 11/8.

Assinado por: Dr. Jorge da Conceição, um pré-médico à vossa disposição. Favor de deixar gorjeta (ou cigarros) na portaria da casa amarela. Até mais ler!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

as amizades só fodem um gajo

ao longo da minha vida perdi contactos de amigos que, por acaso, alguns até me davam jeito manter essa amizade ainda, pois, desde que muitos se foram, acabou-se a cerveja à borla e boleias.
o desenrasque é diploma que não posso fazer fé, pois dependo sempre dos materiais que tiver à mão. os sacos de cimento de 50 kg fizeram mazelas em meus ombrinhos.
logo, despedi-me da firme, com uma carta do médico, a diagnosticar-me demência precoce, para me dedicar a chular o estado.
foram dois anos de vida de morcego. muitas noites a jogar à batota e a ser servido por boas mulas. época de lorde, a bem dizer. e de dia, movido a remédios, escrevia umas croniquetas remelosas para o jornal da terra por vinte paus e umas buchas de trigo.
recordo ainda que comecei a engordar feito camionista, tudo à base de ovos e cebolada e, para contrariar esta decisão do meu corpo, dediquei-me a fundo à pratica da masturbação. desporto este que me fez ganhar bons bícips e com eles ganhar um campeonato regional de braço-de-ferro.

a helena tinha rompido comigo por uma merda de nada. uma noite estávamos em epiléctrica dança sexual quando troquei o nome dela por outra. não me perdoou e desopilou para a casa dos pais, levando consigo os meus vinis do manitas de plata. fiquei furioso e, como paga disso, fiz uma sande com os peixinhos dela, que ela tanto amava. quando soube, meteu dois capangas em perseguição contínua, um deles tinha ar de quem gostava de enrabar, e eu, jorge da conceição, como virgem que sou nessa área, tratei de mudar de cidade.

lisboa estava com um ritmo alucinante, as boites cheias, os pedintes enfeitam muitas ruas, há mulheres a venderem-se ao preço da chuva. os mariconços são mais sofisticados do que os do norte, sabem muito de cultura neo-realista. por enquanto nunca me caiu nenhum na sopa. pelo contrário, os meus amigos eram amigas de vários quadrantes sociais, desde empregadas de loja de ferramentas até a bailarinas de varão.

as boémias só produzem um mal, aliás, dois, mal à saúde e à carteira. ainda a receber o fundo de desemprego, ideias não faltavam e, de quando em quando, ia a uma casa de fados para descongestionar.
foi lá que conheci a andreia, divorciada há dois meses, a sofrer como um moranguito, cheia de vontade para arrombar uma braguilha. conversámos muito na primeira noite. ela tinha um porte bem arejado e umas mamas que, segundo a minha fértil imaginação, eram duas bondades. tratei logo de adiantar conversa. ela prestes para falar do novo livro do saramago, mas eu, assim sem mais nem menos, inventei uma dor de barriga, saímos de urgência do local e fomos apanhar ar numa encosta ali ao pé. pelo caminho deu-me uma vontade poética de comê-la, mesmo ali atrás do quiosque, mas mantive-me sereno, a meio pau.

afinal de contas eu sou um leão que sabe esperar.
para dar veracidade à minha dor de barriga, pedi-lhe que esperasse um pouco e fiz de conta que fui fazer atrás de uns bidões de gasolina. isso deu-me tempo para pensar na falta de respostas que o mundo tem para dar aos homens ao mesmo tempo que media o meu entusiasmo.

após esta rapidíssima tertúlia entre eu e o meu alter-ego, chegado à beira dela, convidei-a a conhecer um moinho sitiado em plena praia deserta. ela logo entusiasmou-se, sobretudo quando eu lhe disse que no seu interior ainda havia vestígios de visigodos. embora eu não perceba um caralho disso, disse-lhe isso.

a noite estava num estado fenomenal, diria mais, a noite estava perfeita para dar uma trolitada à luz da lua cheia. penso que, segundo o meu diário mental, será a primeira vez que farei em chão duro. só tenho de ter cuidado é com as aragens.
o meu corpo aquecia como se fosse a gás carbónico, eu só estava concentrado em. e ela sempre na sua meiguice, a olhar para todos os lados a ver se via os tais vestígios que falei, com aquele olharzinho de eucaristia mas que me dava cá um arrepio na costela número sete.
ao fim de dois minutos lá nos sentámos de frente para a lua cheia. eu não me importei, desde que ao fim de outros dois minutos ela tocasse violino aqui nas cordas dos meus pintelhos, está-se bem. no silêncio soube-lhe dizer coisas magnífcas, e na heráldica dos segredos dos amantes, também.

a minha mãozinha, com a prática de outros tempos, lá pousou na coxa dela, senti ali, um querer mais que bem que querer como disse o camões. comecei a subir, a subir, até à luz secreta. ela a contorcer-se mas a participar na borga. apertei-lhe a carne como uma vez vi aquele gajo italiano, peludo, dos filmes porno, a fazer. vocês conhecem.
quase perto de lhe conhecer o quinto império, dei tudo por tudo, passei-lhe a mão de leve na calcinha e, merda! desculpem o palavrão, mas foi aqui que descobri que ela tinha um enchumaço! e por sinal maior do que o meu! desmacarei-a, aliás, desmascarei-o com dois socos de cada lado. ele tirou a peruca e disse-me chamar-se rui!
(mudou o tom de voz, mais à homem)- então mano, não te lembras de mim? sou eu, o rui zincas, do liceu! óculos redondos, nariz de picareta, isso não te diz nada??

- o rui solha? o maricas? aquele que foi caço atrás do ginásio com a mão na massa de dois moçambicanos?
- esse mesmo!
- ei rui, estás...com um óptimo aspecto! dá cá um abraço, há que tempos! ó rui, desculpa lá, essas mamas são mesmo tuas? e esses biquinhos em tom de aveia, como conseguiste? posso...

antes que me atrevesse a comprovar a tenacidade delas, basei, a correr, a correr muito, a querer lá saber de artroses, que só parei em casa, dentro da bacia que faz de banheira, contemplando um sei lá bem o quê.
a partir desse dia cheguei à conclusão que as amizades só fodem um gajo.

o cão do sócrates

caros leitores poetas e amigos de todas as raças e nações, venho por este meio dizer-vos o quão triste estou.
ontem, pelas 22:30, hora de portugal continental, estando eu bem alapadinho no sofá vendo um talk-show no hot canal, de boca cheia de pipoca, quando, a emissão foi interrompida para uma notícia de útima hora: o desaparecimento do cão do sócrates!
há muito que não se ouvia uma tragédia assim. nem quando a queda das torres gémeas.
ao saber da tristérrima notícia, o parlamento reuniu-se numa sessão extraordinária e de imediato foi dado o alerta vermelho para que as buscas se realizassem, já que, o cão do sócrates, é para todos nós a coqueluxe da nação.
as autoridades pularam para o terreno com as suas sirenes em fúria. colocou-se ainda a hipótese de a Alquaeda estar metida no assunto, mas logo se pôs esta questão fora de hipótese uma vez que o cão do sócrates, segundo vários opinadores, nutre simpatias pelo camelo do Bin laden.

todos os portugueses especaram de frente ao televisor na esperança que as coisas voltassem à normalidade. os operadores de câmeras da SIC e TVI andaram à batatada pelas ruas lisboetas na ganância de ver qual deles o mais rato e o primeiro a encontrar o cão do sócrates. as ruas estavam escuras e não se via cavaco.
quarteirões mais adiante, lá para os lados do hemiciclo, o cavalo do francisco louçã mais o burro do ministro da defesa metiam os seus focinhos onde eram chamados, mais concretamente, patrulhando urinóis públicos e parques infantis.
o cão do sócrates é um bicho indefeso, sem categoria para fazer jus das suas garras, inclusive houve um sábado de manhã que o macaco do paulo portas fugiu da jaula e deu em cima do bichano do sócrates, que o deixou com uma ferida aberta e inconsciente uma boa meia hora. na altura não deram muita importância ao caso, nem tãopouco abriram inquérito para averiguar se no meio da luta existiram outros tipos de malícias, já que todos sabem que o macaco do portas tem queda para o vale tudo menos arrancar olhos.
dado o impasse das buscas, a comitiva socialista estava de trombas, pois sabem diante mão que se der como certo o desaparecimento do cão do sócrates pode pôr em risco as próximas eleições legislativas. as horas iam-se e não havia progressos. nem mesmo o morcego do oliveira e costa, que é especialista ver melhor do que os outros, até mesmo interior de bolsos, não via a ponta de um corno.

os portugueses uniram-se nesta nobre causa, e cada qual à sua maneira sairam à rua, tingidos de solidariedade, para achar o animal perdido. tudo era vasculhado, desde atrás dos pinheiros (já agora, vocês sabem onde fica a parte de trás de um pinheiro?, é no lado onde a gente caga!), passando a pente fino museus arquelógicos até mesmo em casa de putas em serviço. tudo era palmilhado à mínima. só assim é que o quadrúpede do sócrates haveria de ser encontrado, se possível vivo para não manchar a história de um partido.
a imprensa televisiva relatava todos os passos do caso com mestria, excepto quando o josé rodrigues dos santos largou os microfones e saiu a correr dos estudios com a cadela da sua prima, conhecida pelo seu sofisticado faro de longo alcance, que, salvo erro, faz parte do paquete da nossa querida gnr. com o nervosismo a aumentar, o governo decidiu atribuir uma recompensa a quem primeiro achasse o cão do sócrates que, segundo fontes próximas de não sei quem não sei que mais, foi visto na madragoa a dar duas dentadas na galinha da manuela ferreira leite que a deixou com uma grande contusão. tadinha!

a interpol, a judiciária, o fbi, os boinas verdes, detectives particulares, bufos reformados, todos accionaram os seus sistemas de alerta. cortaram ruas, ninguém podia entrar ou sair da cidade, os consumidores de coca viram-se à nora, o josé cid perdeu o comboio para o apuramento do festival da canção e estava a fritar miolos, trânsito parado,
lojas arrombadas,
pretos brancos e amarelos aos murros,
ciganos com máquinas de flipperes às costas, candidatos a bissexuais a arrombar vitrines de sex-shops, estava tudo em pantanas.
a lili caneças deu à sola de uma clínica de estética com as tripas na mão. um caos.
se o cão do sócrates fosse encontrado vivo seria certo dois dias de feriado nacional, com direito a entremeadas feitas a partir da porca da ministra da educação.
o túmulo da amália foi encontrado aberto, deduziu-se que também ela se juntou à causa. propagandistas pelas ruas, de megafone em punho com o slogan: ajudem a encontrar o cão do sócrates! as pessoas entristeciam a cada minuto, os operáros de uma fábrica de panelas foram mandados para casa, nestes moldes não havia condições para paneleirices.
transmissões em directo de suicídios, de peregrinos que prometiam à santa, repórteres na rua, nas gráficas já se imprimia a letras gordas os cabeçalhos do desaparecimento, tomara a deus que tinta não se acabe, há muito para dizer e contar. mais do que na morte do michael jackson.
os cronistas atiravam culpas ao partido da oposição, que tinham avisado que mais tarde ou mais cedo iria acontecer o pior. vários bruxos catedráticos reuniram-se numa mesa de búzios, e nada. o dia a fazer-se, e nada.
o cão do sócrates foi desta para melhor afirmavam os mais fanáticos religiosos.
era cerca das onze manhã quando pela escadaria do parlamento surgiu num andamento de vivaldi, o cão do sócrates. houve quem falasse em milagre. houve quem fosse a correr dar duas esmolas a um pobre ao saber que ele estava ali, vivinho da silva.
logo se fez aparato em volta do cão do sócrates, não contendo os populares em dar mimos e festejos ao animal, e este, sem perceber puto do que estava a acontecer.
mas, em dois minutos breves ficou a saber os porquês das gentes ali e suas peocupações.
o cão do sócrates que, apesar de ser perito em alta-finança, ignorou e continuou a subir a escadaria do palácio de belém até aos seus aposentos caninos, e pensou lá com o seu rabo: já gora um gajo não pode ir a vigo comprar caramelos que fica tudo em pulgas!

crónica sobre a crónica mais triste do mundo

Ninguém sabe quando nem como, mas aconteceu nesta vida, neste planeta, neste continente, neste país, nesta cidade, nesta aldeia, nesta rua, nesta casa, neste quarto, que inventei a crónica mais triste do mundo.
Não era coisa de vida real ou alegorias de cavernas, era um texto que falava de terra e oceanos sem nunca ter saído daqui. Eu próprio chorei em cada verso, ainda hoje tenho marcas fundas debaixo dos olhos que, para ver ao longe, agora preciso de óculos graduados. Mas tive de lutar até ao fim, rasgando meu corpo para alcançar o verbo que se escondeu atrás de um substantivo que era filho da mãe. Cada parágrafo era mais uma tristeza. Caramba, não bastava o dinheiro que gasto em raspadinhas!
Um anjo avisou-me que parasse, pois os danos são de cegueira para cima e caganeira para baixo. Arrisquei. E o anjo sumiu no seu Ford Fiesta a gasóleo. Desde então fiquei só, na possibilidade de tornar óbvio todo o obscuro que me rói. Mas não tenham pena de mim que o cangalheiro também não tem, pois já o vejo sorrindo, asquerosamente, com os seus dentes que era de outro que morreu.

Pedi a Deus uma forcinha, e ele respondeu-me assim: “agora não, tenta mais tarde”. Infelizmente terminei a crónica, com pequenas minas em cada palavra. Avisei o leitor para que tivesse cautela, não fosse ele cair em tentação de chorar feito uma Madalena arrependida. Mas nem isso evitei. Na semana em que me leram, os psicólogos deram mais de mil consultas a pessoas que, sem razão aparente, se entristeceram ao ponto de roçar a loucura. Inicialmente, pensou-se que seria o facto do Cristiano Ronaldo começar a cantar, mas não, essa súbita tristeza foi causa\efeito da leitura à crónica mais triste do mundo, que, entre outras contra-indicações, aguarda aprovação para entrar no livro de s. Cipriano dentro de uma arca de gelados.
Toda a cidade envolveu-se em mistério, e as autoridades deixaram bem claro: ninguém chega perto dessa crónica! O exército montou um esquema. Não viesse uma palavra por aí e fizesse surto na população.
Caso semelhante a este só mesmo a gripe espanhola. Alerta vermelho em todo o país. As sirenes tocavam pelas 21:30, os civis obrigados a recolherem-se às suas casas e, enquanto isso, no silêncio dos silêncios, cientistas de várias nações, incluindo Freud, que fora repescado do túmulo, reuniam-se em subsolo na esperança de inventar vacinação.

O clima era tenso,
estradas cortadas,
os hospitais à pinha,
crianças, velhos, grávidas, padres, políticos,
ninguém escapava à tristeza da triste crónica, que em sete dias quase fez parar o país. Pelo que se sabe, nem a Amália no seu melhor causou tanta choraminguice.

“Antes viesse um dilúvio!”, comentavam familiares das pessoas afectadas. Pensou-se também se não seria o Bin Laden quem estivesse por detrás deste cenário. Alguém veio a público dizer: se o autor resolve escrever mais duas ou três crónicas de igual género, preparem-se para o pior! Arma química! Nem filósofos, catedráticos de língua portuguesa românica, quanto mais curandeiros, que logo viram uma oportunidade de negócio, fazendo uns trabalhinhos de espiritagem nas casas dos incrédulos.
E o pior era o contágio. As pessoas choravam por tudo e por nada. Pareciam bebés quando não querem ir já para a cama. Mal começavam a ler choravam e deprimiam-se, ou vice-versa.

Por estas e por outras, especialistas em fatos especializados, recolherem todos os jornais com o máximo de cautela, à base de pinças. Pois se uma crónica deste calibre caísse em mãos alheias, já se imagina o fim. Chegaram até pedir auxílio ao super-homem, mas por azar encontrava-se nas Caraíbas a curar uma enxaqueca, ou melhor dizendo, uma kriptonitite aguda. Já o homem-aranha, estava a rodar mais um filme.

Eu, como autor, fui chamado a depor e, no momento em que subi as escadas da barra do tribunal, as pessoas em fúria, munidas de tomates, ovos, mp3 avariados, CDs do Emanuel, ao lançarem sobre mim sem me avisar, lógico que acabei ficando com a cara numa salada. O juiz estava de máscara a tapar-lhe a boca e o nariz. Os polícias idem aspas. Os jornalistas tinham a gola das suas camisolas até ao nariz afim de se protegem também eles de uma possível transmissão de vírus triste. Um passo em falso e a tristeza propagar-se-ia.
Por isso cautela. Muita cautela. O original estava ali, dentro da arca de gelados. Sentia-se o pavor a vinte quilómetros. O juiz ordenou-me que lesse a crónica em voz alta. Mas antes disso todos os presentes começaram a fazer cóceguinhas uns aos outros para que o efeito fosse menorizado.

Quando me dirigi para arca de gelados, ouviu-se um rufo. Talvez apenas dentro de mim. Peguei cuidadosamente na folha. O tribunal tinha todas as janelas fechadas. Todas as pessoas tinham suas bocas fechadas. Também o silêncio estaria de boca fechada. Agora vou contar como foi. Comecei a ler: ” era uma vez…”
E, dito isto, veio um vento que não se sabe de onde e levou a crónica para um lugar que ainda hoje não se sabe. No entanto, encontra-se pessoas por aí, tristonhas, tão afectadas ainda que nem conseguem trabalhar. Reclamando os seus direitos, pensões, reformas, indeminizações, enfim, coisa de português mesmo, de quem não chora não mama.

pôr a escrita em dia

Mais que os sonetos da Florbela Espanca - que deixam a minha querida alma num estado lastimoso -, o sexo, o depois de, inspira-me muito mais que um livro qualquer. Por tal saber, sempre procurei inspiração no colinho da Matilde. Enquanto ela, em suaves círculos me vai aquecendo os motores, eu, poeta de tactos percorridos, mentalmente vou fazendo a rodagem ao pensamento. Para uns, o após-sexo dá apetite, para outros dá vontade de dormir a sesta, já comigo, fico com gana de escrever. Das últimas vezes deu-me para escrever livros de contos infantis. Vocês sabem que sempre pensei nas crianças, mas à distância. A Matilde tem um filho que, quando vou lá a casa, quer brincadeira comigo, mal ele sabe que o que levo na ideia são outros tipos de brincadeiras. A Matilde, trinta anos no cose e descose relações, diz-me, vá lá, brinca um bocadinho com o rapaz. E, lá terá de ser, se quero o rebuçado tenho de me fazer por ele. Só que o puto é um chato do triatlo.

Por ele ficávamos manhã tarde e noite a brincar aos polícias e ladrões. Quando eu e a Matilde estamos naquele ponto em que as crianças não podem assistir, pronto, lá vem o fedelho bater à porta. Solto um berro, pira-te! E debruço-me outra vez sobre o assunto das duas montanhas. Depois mais outra vez a chamar pela mamã a perguntar-lhe onde está o pijama. E eu passo-me, perco oitenta por cento das vontades inerentes à minha profilaxia. Desculpem mas, há momentos em que me apetece meter-lhe cinquenta pastilhas elásticas na boca e, porra, que pare de me tratar por tio! Pois não há berlaitada que consiga dar sem que não seja interrompido. Vocês sabem que detesto ser interrompido!

O outro (para quem não saiba, o Fernando Pessoa), disse que as crianças são o melhor do mundo, mas disse-o porque nunca os teve. Pois se ele tivesse um fedelho por perto no momento em que escrevia as cartas de amor à Ofelinha, eu queria ouvir todos os seus pseudónimos acirrados. De facto, o sexo inspira, faz-nos dizer as coisas a modos cristalinos. Sem sexo a poesia não tem valor nenhum. Todo o poeta precisa de uma boa dose de inspiração, logo, tem de dar muito à manivela. Não é para me gabar mas, dantes, graças às minhas mãozinhas, eu vendia inspiração. Agora, tenho andado às voltas a escrever um romance, uma coisa sobre trocas e baldrocas de amor e sexo, o que me deixa deveras agoniado por não poder participar no enredo.
O certo é que não ando lá muito inspirado, há seis semanas que não escrevo uma puta de uma linha. E tudo desde que a Matilde me acusou da falta de talento para fazer amor com ela dentro do guarda-vestidos. Ela devia de saber que nunca fiquei curado daquela maldita asma que desde puto me põe a fazer vaporizações. Enfim, terminámos na página oitenta e três do Kamassutra e, desde esse fatídico dia que deixei de ter inspiração. O meu editor disse-me, inclusive, se eu quisesse uma mãozinha era só telefonar. Eu disse, não, não! Agora, ando por aí, à procura de ideias, visitando os meus álbuns de fotografia e a recordar a Paulinha que muitos sonetos me fez sonetar à luz do barracão do pai dela. A Teresinha que meu deu asas para que escrevesse uma ode às suas pernas lisas. A Joana, que relatou a sua vida nas entrelinhas dos meus cabelos do peito.

Haja um pouco de compreensão. Sou um poeta de pedigree, logo, faço um apelo às mulheres dos meus escritos, para que voltem, que o tamanho não interessa, prometo que vou largar aquela mania de sintonizar estações de rádio nos biquinhos delas, ou que, vendo bem as coisas até gosto de ser tratado por tio, pois eu preciso urgente é de uma musa (não dura mais que uma hora), para pôr a minha escrita em dia!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Foi numa consulta de rotina, quando nada se previa, o médico do morto disse-lhe, sem dar voltas à gramática:
- Você tem apenas oito dias de morte!

O morto, incrédulo, pois ainda pouco gozara a sua tão querida morte,  ao saber que daqui a nada vai viver, não conteve a sua revolta e deu um soco na mesa do consultório:
 - Doutor, tem que fazer alguma coisa por mim!
- Infelizmente, fiz tudo ao meu alcance e, no máximo de 

Oito dias, o seu coração começará a bater.
O morto saiu à bruta do consultório, entrou no primeiro bar e enfrascou-se com tudo o que havia de mais de noventa por cento de álcool, meteu-se debaixo de carros pesados, seringou-se, atirou-se de vigésimos andares, atado a frigoríficos, mas o destino estava traçado. Não conseguia ficar morto. Tentou falar com Deus a ver se pelo menos o extraditavam para o Inferno, mas, feitas as contas aos seus pecados, tal pedido fora deferido.
Ao oitavo dia, em sua casa, o morto esperava com agonia a chegada da Vida, gozando os últimos prazeres da morte, olhando o paraíso pela janela da sala, fazendo flash-backs daquilo que era e como era a sua vida lá em baixo, o ter de começar uma vida nova, enfrentar os seus credores, as ameaças... 
Quando a Vida lhe bateu à porta já o morto se tinha pisgado pelas traseiras da sua casa. E desde então anda à deriva no céu, por saber que o querem morto ou vivo.