quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

esta crónica não é crónica

Isto não é uma crónica, não é uma prosa poética, não é poema, não é texto de literatura, não é uma confissão, não é excerto de prefácio, não é propaganda, não é panfleto partidário, não é demagogia, não é testamento, não é troca de correspondência, não é assunto para ninguém, não é piada que se conte, não é cópia de nenhum original, não é certidão de porra nenhuma, não é querer dizer mais do que aquilo que é, não é guião de filme de terror nem suspense, não serve para nada, não é bem visto, não é acto de coragem ou preguiça, não é extraído da consciência, não é método de exorcismo, não é fundamental, não é para nenhuma idade, não tem catecismo, não é positivo, não é reciclável, não é texto que se escreva num jornal como este, não tem cenário por detrás das palavras, não tem quota de inteligência, não tem metáfora de abrir a boca de espanto, não tem selo de recomendação, não tem pátria, nem a p* que o pariu!
Este texto tem umbigo, mas está sem baço e sem pescoço, tem uma justa injustiça, tem um rio sem braços, tem um automóvel em contra-mão, tem Napoleão ressuscitado, tem uma panca que empanca, tem e não tem. Não tem fintas, não serve para o futuro, não é para que desista agora, não tem fatos nem factos, não foi feito com boas companhias, não tem cheiro a resina de pinho, não tem por que ter, não tem saúde nem doença. Este texto é neutro, sem clube, sem sexo, sem mãozinhas de veludo. Por ser humana, faz comichão.
Quando muito pode ser cocó de pássaro que sobrevoou esta folha branca e as letras assim ficaram, neste texto que não é texto nem é pretexto para eu estar a falar. Isto que vou dizendo não é recomendação nem tão-pouco antevisão do que vai acontecer. Não tem sabor a chocolate mas tem cor parecida, tem talvez sim ou não a minha vida aqui metida. Também tem pedaços de porcelana e nódoas de café e quem sabe um pouco de melancolia em forma de ovo. Se encostar uma orelha a estas palavras pode ser que oiça algo, um eco que transforme a sua vida, portanto, aguente mais um pouco e saberá para que serve este texto que eu juro que em toda a minha vida não escreverei outro igual. Pois pode ter a vantagem de não ter vantagens, pode querer ser pai e filho ao mesmo tempo.
O que está lendo aparentam ser palavras, promessas furadas, tatuagens que não duram mais que duas horas, relógios com cucos a bater mal das ideias, presunções atómicas. Olhe que não!, este texto é para a senhora ali, é para o senhor acolá que está mordendo o lábio, é para que saibam que eu não sei o que digo, é para despertar quem não está a dormir, é para quando a castanheira não tiver mais jornal e quiser fazer o cone, é para aquecer melhor o arroz, é para aquele que foi na mata com uma aflição daquelas.


Se você desistiu de ler, então não saberá que este texto tem por missão combater os astros, as fracas sinas, os maus-olhados, os bens-olhados, fazer de conta que. Se continua lendo, então vai saber que este texto tem por único e singularíssimo objectivo dar um tiro ao ar, mas sem ferir nenhum Deus. Ou, quiçá, convencer o peixe a saltar para o prato, ou ganhar apetite sexual antes de dormir ou ter como desculpa que chegou tarde a casa porque caiu de riso ao ler isto?
Mas atenção, não é um xarope nem produz efeitos de grandezas. Este texto é do mais simples e natural que pode haver, depois de o ler não o quererá mais ler, quererá manter a distância entre o ser e o não-ser. Porque aqui vai encontrar os restos mortais do Almada Negreiros, o sangue do Vasco da gama, o olho perdido do Camões. Mesmo que não encontre posso dizer que eles aí estão, por detrás de cada verso bebendo conhaques e jogando a bisca. Estou a ser longo? O senhor está fervendo? Não conseguiu chegar até aqui? Foi-se embora por quê? Responda-me!


Estou triste…você foi-se embora e deixou-me aqui sozinho. Pensou desde logo que este texto não serve para nada a não ser para alimentar o meu ego canino. Então digo-lhe, se desistiu, aconselho-o vivamente a procurar um neurologista. Eis o meu diagnóstico: você está com problemas de stress, sabe que a vida corre e não a acompanha. Você precisa é de descanso, de jardinar o seu pensamento, enfim, experimente ligar para o relax a ver se lhe sai a sorte grande ou troque de parceiro. Se foi dos que chegou ao fim do texto, parabéns, você está bem de saúde, pois segundo este texto - que é um medidor de pressão arterial e outras ansiedades – as suas tensões rondam os 11/8.

Assinado por: Dr. Jorge da Conceição, um pré-médico à vossa disposição. Favor de deixar gorjeta (ou cigarros) na portaria da casa amarela. Até mais ler!

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