terça-feira, 25 de janeiro de 2011

As desventuras de Bino

Bino quis conquistar o mundo de viola às costas, visitar capitais europeias, andar de metro, sair aqui, entrar acolá, tudo por um motivo: ganhar dinheiro pelas ruas à conta do seu talento. Saiu de casa com a promessa deixada à sua esposa, ainda pouco experimentada na arte de beijar, que viria com uma pequena fortuna para cimentar os sonhos e, com eles, podiam depois muito bem começar a ter filhos uns atrás dos outros.

Sempre sonharam com uma pequena quinta onde a filharada brincaria com os animais, os baloiços espalhados pela herdade. Ele: a ensinar obediências aos cães, e ela: colhendo batatas e couves, para o almoço. A ideia não era má. Faltava era o dinheiro em doses industriais, como o Bino costumava dizer quando uma aura lhe subia à cabeça.

Partiu. Foi a Paris, Milão, Amesterdão, a tudo que era cidade moderna, vasculhou as mais íntimas ruelas, esmolou, cantou com a sua voz de rouxinol nas carruagens de metro mas, a sorte, essa coisa que ninguém sabe de onde vem, parecia ter passado antes de ele lá ter chegado. O que ele havia calculado falhou. Começou a derrapar no sonho, os trocos que ganhava a cantar não davam sequer para manter a seus vícios. O seu corpo estava geometricamente a assemelhar-se a uma linha, marcado na pele pela dureza dos chãos.

Não se deixou ficar, pôs a viola de lado e tentou melhor sorte nas obras, mas, como a sua força já era, não aguentou a dor física de pegar em sacos de cimento às costas e tentou outras vias de factos. Pelo menos nunca se esquecera de escrever à sua esposa dizendo-lhe que tudo vai bem e que a promessa mantêm-se. Ela, coitada, lá ia dizendo às amigas da fábrica que o destino entretanto iria mudar, prometendo uma festa na tal quintinha, assim que estivesse pronta.
Mas lá na França, a música era outra. A tempos, o Bino conheceu gangs, depressa aprendeu o calão, falou com este, com aquele, apercebendo-se então dos meandros e dedicou-se por inteiro aos calores da noite, à chulice. Ao fim de não sei quantos dias, geria um leque variado de putaria, acabando mesmo se envolvendo com uma delas.
Bino cresceu na noite, os seus casacos eram agora de pele genuína em vez dos farrapos habituais, suiçinha bem desenhada, até ao meio da cara, um fiozinho de bigode discreto. Ou seja, um diller! Fez ainda biscates em tráficos de armas, uns passes de coca. Enfim, negócios que lhe vinham às mãos.

Numa noite igual a tantas noites, nada sugeria que viesse acontecer o que aconteceu: a polícia entrou num cuspido, de abalar os ossos, na casa de meninas, e trataram de algemar todos os que lá estavam. Bino não escapou à lei. Levaram-no acorrentado. Puseram-no atrás das grades com dois fulanos em que, um deles, por jeitos, tinha queda para a coisa. Logo no primeiro dia, Bino foi baptizado com uma boa enrabadela. Nessa noite nem se pode virar na cama. Por sorte, só lá esteve quinze dias, o que não lhe causou assim tantos estragos no corpo. Mais sorte teve quando o juiz decretou-lhe liberdade por falta de elementos que o incriminasse e, mal se viu com o papel na mão, pôs-se logo a milhas dali. O sorriso do Bino mudou muito desde o sucedido, só tinha forças para segurara na pila e pouco mais, pegou na sua viola, agora empenada pela falta de uso, e regressou à aldeia, tesinho como um birote. A sua esposa nem quis acreditar assim que o viu a surgir na estrada, meio cansado, tal guerreiro que regressa à pátria ao fim de ter contado os mortos pelos gritos.

E no imediatamente aprontou-se para uma gala de amor, vestindo-se como só na noite de núpcias se tinha vestido: roupinha interior a esconder pouquíssimas partes do corpo. Pegou no Bino, à lutador de Sumo, e zás, deitou-o na cama num relâmpago, atiçou-lhe as partes com olhares de fogo. Afinal de contas, era preciso recuperar as tácticas do prazer.

Depois, o Bino contou tudo: «sabes amor, a vida lá fora é dura, mais dura do que eu pensava. Nem queiras saber o que por lá passei, mulher!» Antes que as lágrimas se sobrepusessem, a mulher de Bino atacou-lhe de novo com os seus oitenta quilos. Após amaram-se como dois anormais, ele prometeu-lhe não mais sair da terra e praticar a religião mais a fundo, e ela, prometeu-lhe fazer uma dieta e calar o povo que tantas insinuações fizeram enquanto o marido estava lá fora no estrangeiro. Da última vez que foram vistos, o Bino já não cambaleava tanto do traseiro, e a sua mais-que-tudo, exibia uma dentadura nova. Sempre sorrindo. Ambos.
No meio do disparate, o Bino lá ia olhando para a sua mulher cima abaixo, cima abaixo, com outras malícias, outros planos, fazendo contas de cabeça, de como será o futuro daqui em diante, sem emprego fixo…a ganhar quase nada…
Ele percebe do negócio, sabe que o investimento é pouco: um quartinho e uma caminha! Ela afinal não é assim tão má, há sempre quem lhe pegue, quem dê uma nota de vinte euros por ela. Quinze minutos, não mais!, até pôr o projecto da quinta a andar!

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Política 7

Anuncio aos meus dois ou três leitores, ainda cientes da cabeça, que, a partir deste exacto, preciso e microscópico mo(nu)mento, deixarei de falar de política, aqui e em qualquer lugar deste mundo e do outro. Com isto, pretendo reaver a minha honestidade e os meus valores, se é que alguma vez os tive. Primeiro, porque a política não nos leva a nada, segundo porque a política não nos leva a nada, e terceiro, porque é bom ter alternativas. Discutir política é o mesmo que discutir política. Os iluminados estão todos pregados ao tecto a alumiar salas de estar. Ouça lá, acha mesmo que eu, conhecedor de todas as fórmulas sobre a estupidez, lá ia perder o meu tempinho a escrever sobre política. Só se estivesse interessado em ofender o meu cerebrozinho, que tanto me custou a educá-lo. Os políticos são como os maricas, ainda que, sabendo eles que são mal falados, são sempre uns bem-dispostos, uns curtidos.

Portanto, por isto, por isso, por aquilo, daqui destes dedos que vos escrevem, desta boca com queda para a asneira, jamais ouvirão falar de política. Porque política é uma mulher que anda de boca em boca, logo, deduzo que seja uma das que se vende na beira da estrada por vinte e cinco euros. (Isto, segundo a nova tabela de preços de 2011. Ouvir falar). Falar de política é simples, basta mastigar dez bolachas Maria, todas ao mesmo tempo. Fazer política é tão útil quanto puxar o autoclismo. Aprender política é como ter aulas de educação sexual, assiste-se mas não se dá assistência.

Sinceramente, já me irrita ouvir falar de política, dramaturgos a fazerem previsões futuras sobre taxas e juros. Prefiro dez mil vezes falar de gajas ou de manequins de saiinha por aqui em montras de pronto a vestir. Um dia apareceu-me um político à paisana na sopa e, antes que uma daquelas disenterias me fizesse apertar as nalgas, não o comi, deixei-o estar, só pelo prazer de o ver a afogar-se. Política é conversa de macho que não cobre fêmea, só serve para limpar a dentadura, ranho seco no nariz. Portanto, meus ainda leitores, não vou sujar os meus dentífricos para quá quá quá sobre política e suas amantes politiquices. Não vou gastar megabytes de memória só para obesidar argumentos. Embora saiba que, quem fala de política, sabe bem o quanto vale ter um belo filho da punha ou fonha-se na língua.

Político não pensa, pensa que. Político não faz sexo, nem levanta o orçamento. Político não vai à bola, vai à borla. Político é animal sem dentes, para não deixar marcas no pescoço. Político é religioso, tendo como bíblia o manual de instruções do Ikea, para aprender como há-de apertar a rosca. É negociante, vende tangas. Para se fazer política, basta um estar bêbado e outro lúcido. Um amigo meu, disse-me há dias que se ia meter na política. E eu, como bom conselheiro e amante das coisas boas, aconselhei-o antes a meter-se na droga. Assim, que meta o nariz lá na farinha Maizena, em vez de andar a cheirar as nossas vidas.

Já gostei de política, mas enjoei, e à custa disso, apanhei as hemorróidas e uma entorse nas mandíbulas. Na minha opinião, político para ser político havia primeiro de passar por um teste de resistência. Assim de repente só tenho esta ideia: que tal um banho turco com trinta comediantes Senegalenses. Pense nisso. Começo a criar a ideia que político é omnipresente, pois está em todas, até nos cofres-fortes do banco, ora vejam lá. Político é amante da pesca porque sempre ouviu dizer que mais vale um peixe na mão do que dois a voar.
Político só vai à escola quando é para levantar o pano da placa comemorativa, e sorrir como a sua mãe lhe ensinou. Lá isso não nego, e não me travo a soltar elogio, político é um bom filho da mãe. Também sou de acordo que, se político estivesse em via de extinção, acharia por bem, em prol da humanidade, pegar numa motosserra e cortá-los a meio, para de um fazer dois. Político é sério, mas apenas quando está com prisão de ventre. Também toda a gente sabe que a liberdade de ventre é o que é. Outro amigo disse-me há dias: o meu filho virou costas à política. E eu, como bom espectador e rei da primavera, aconselhei-o, politicamente falando: já que ele virou, então que forre bem as calças, senão…habilita-se!

Tenho uma dúvida: política é um mal necessário, ou um bem desnecessário? Se souber responder, não responda, fique calado, já disse, fique calado, eu não disse que não quero mais escutar política? Não estou para amar a futilidade, para isso basta-me dois minutos de talk-show no Canal Parlamento. Os políticos são os maiores e conceituados travestis do mundo. Excepto numa condição: mudam de cara mas não mudam de roupa. Eu nunca falei mal de políticos nem de politicuzinhos, porque, falar mal, é só para letrados, e de letrados, gente doida e petulante, estou por aqui. No fundo, há que ter pena desses tipos que só falam, inflacionam tudo que dizem, porque todo o mundo sabe que política é como a marijuana: “provoca esquecimento, e outras coisas que agora não me lembro”.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Escreve(dor)

Tenho o hábito de me sentar para escrever; nem é tanto o processo de escrever sobre as coisas que me ocorrem, mas sim o sentar, poisar o meu peso numa madeira, ganhar posição nas costas, ajeitar um pouco a posição das pernas da cadeira, depois as minhas, olhar-me num espelhinho que tenho aqui ao lado, se estou bem assim, se estou bem assado, cruzar as mãos, fazer estalar os dedos pelos nós, libertar o peso do corpo aos poucos, pousa-lo outra vez, 
sentir de novo a madeira nos elos da coluna vertical, 
passar as palmas das mãos pelos braços da cadeira, em simultâneo, como quem espalha creme no rosto, ser delicado ao ponto de sentir os nódulos da madeira, uma pequena farpa, algo triste dessa madeira que fora árvore, olhar o mundo por uma janelinha que tenho aqui ao lado direito, que no seu caso, será o lado esquerdo, mas isso não importa, porque o que importa é a verdade com que me sento para escrever, escolher um dos quatro ou cinco pensamentos que andaram comigo a semana inteira e que é hora de decidir, agir sem presunção, praticar um duelo a sós, mas que, enquanto não decido, preparo os olhos da mesma forma que se prepara uma jangada para entrar no mar alto e, feita uma breve psicanálise sobre o estudo da minha correcta posição de corpo em cima da cadeira, após averiguada a sentença sobre a primeira palavra a escrever, que tom darei ao discurso, se o texto terá as mesmas vítimas, 
se darei ao dia o sol devido, enfim, nesse espaço em que me ausento da perspectiva da folha branca, coço o nariz pela parte de fora, que é meu costume e normalmente funciona como estimulador, algo que me distrai, ou melhor, como se ao friccionar, puxasse o sangue para aquela zona, e assim, 
creio eu, a cabeça ficará mais oxigenada e propensa a ideias, mas claro que isto é apenas e só um acreditar, mínimo,
admito, mas lá no fundo é uma fonte especializada em puxar o sonho lá para cima, embora reconhecendo não ser essa a maneira mais eficaz de começar 
um texto com toda a categoria que me foi recomendado por um jornal que se diz nacional, ou pelo menos, assim o afirmou, mas quem sou eu para duvidar de certas coisas, onde, aliás, tenho provas dadas que acreditar é o meu forte, embora haja quem faça troça disso, sobretudo quando me sento aqui nesta cadeira confortável, diga-se, e ponho-me a olhar a página branca que às vezes me parece negra mas é branca como a noite que me pariu, ou, recorrendo a vocabulários mais concretos, é branca como a neve da serra da estrela, cuja melancolia leva-me arduamente a pensar nos enigmas da pedra, que, por razões não óbvias, considero as pedras nos termos simbólicos e matemáticos uma fórmula resolvente com exponencial infinito, nem que para tal se minta para, na grandiloquência, se chegar a uma verdade com sabor a deus, e disso não duvidemos nem tão pouco façamos uso de metáforas ilusionistas onde o poeta é capaz de se suicidar e voltar à vida entre uma frase e outra que é, precisamente, o mote que me fascina para o começo do texto que pretendo iniciar assim que puxar de um cigarrinho, metê-lo na boca, acendê-lo aproveitando a chama de uma vela, dar duas passas consecutivas, ignorando que estou a fazer coisas erradas, deitar umas vistas sobre o prédio da frente que continua em construção, se possível mandar um grito sólido, cuspir nas palmas das mãos para que não arrefeçam, estudar cada movimento milimétrico do meu braço, tanto esticado como flectido, olhar a luz do quarto com profundidade católica, arrastar um pouco, só um pouco a cadeira para a frente, achar o ponto de equilíbrio do meu corpo para que a naturalidade dos gestos se preze, depois, de seguida, esquecer o que sou, quem fui, e talvez, quem sabe, evite estragos de qualquer natureza primária ou subjectiva, e só acima disso, além disso, apontar a caneta ao papel com uma dose de quanto basta de ferocidade, contrair os músculos do queixo, apertar os dentes até um pouco antes da dor, pensar que sou um peito aberto aos assombramentos, enlouquecer com qualquer coisa, excepto com andorinhas, não sei porquê, não me pergunte, não estou aqui para responder, eu já lhe disse que estou aqui para escrever um texto e já por isso é que me sentei e depois disto vou fazer a barba porque tenho compromissos importantes com gente importante num local importante e dizer coisas importantes mas que no fundo está claro que tudo tem a importância de cada auto consciência, logo, concentro-me em tudo na vida e, se o sino toca, já toca tarde, e por falar em tarde, está a ficar muito noite, o sono aí vem, amanhã é outro dia, depois outro e a seguir mais outro, uma palavra de cada vez faz conceber uma grande invenção ou até um filho, a mim, por exemplo, custa-me bastante escrever a palavra amor, por sina minha é que estou sentado, pronto para escrever, e nada me ocorre, mas amanhã, ah amanhã, farei tudo de novo!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

www.paranóicosdaluz.com

Sou talvez ou não um paranóico. Falo assim porque custa-me afirmar que o seja. respiro fundo, concentro-me num bilião de coisas ao mesmo tempo, a Marta que me liga a todas as horas a perguntar onde é que eu ando, o peixe do meu aquário que me dá os bons dias pela manhã e ninguém acredita.
Pronto, confesso: eu sou um paranóico. Mas não desses que andam por aí todos descabelados, com o indicador numa constante dentro do nariz. não! sou um paranóico sofisticado, ultra-moderno. Escrevo livros, sabia? Mas não tenho contrato nenhum com editoras. Acho-as muito esotéricas.
Até hoje já dei uma data de entrevistas, jornais locais, é certo, pus-me em poses, acenei para objectivas, autografei em papel timbrado, mas tive um mau começo. dantes era um tipo revoltado, semi-possessivo, adepto de ansiolíticos para viajar sem sair do sítio.
Hoje sim, agradeço às pessoas que me negaram emprego, fechando-me as portas na cara em vez de: vai-te lavar! Mas, sem elas (as benditas pessoas) eu não poderia chegar aqui, a esta secretária, roída nas pontas, que eu digo a todos que perguntam quem roeu, respondendo: defeito de fabrico, defeito de fabrico!
Sei a forma exacta de conquistar uma mulher, mas por razões óbvias não posso revelar essa fórmula tão procurada. Esqueça esta parte. Faça de conta que eu só vim ao mundo para aplaudir.
Sou paranóico desde mil novecentos e noventa e sete, logo após ter entrado e saído de uma igreja evangélica, não sei se isto teve algo a ver com o facto de ter entrado e saído num passo de fox-trot, mas penso e creio que não. Deus não interfere nestes capítulos longos, nem seria tão sacaninha assim.


Na época fazia investigação de ostras num mar aqui ao perto.  era um motivo para eu apanhar uns banhos de sol. A minha pele é branca e muito podia falar sobre ela. prefiro ficar calado. Tenho inimigos públicos.
Quando eu era normal as pessoas riam-se de mim, atiravam-me pedras metafísicas, diziam em tom cavernoso: olha, vai ali um tipo normal! e mostravam os dentes e as gengivas como sinal de querer afastamento.
Graças à bebida hoje sou um paranóico encartado, desconto um xis do meu salário para uma congregação nacional de paranóicos. Temos de tudo, desde paranóicos acrobatas, ciclistas, engenheiros nocturnos até mesmo paranóicos que nos advogam.
Anualmente juntamo-nos todos a uma mesa para discutir certos poetas e pintores que cairam na realidade, coitados, que se casaram e têm filhos, inclusive, pagam impostos, rendas avultadas, frequentam hipermercados, vão à bola ao domingo, imitam kamassutras, e é de nossa condição estatutária ajudar esses beneficentes a enlouqueceram novamente e integra-los, a fim de prestarem uma literatura mais melhor boa.
Se você é um dos interessados em se tornar paranóico, contacte os nossos serviços pela linha azul 808 123 oliveira 4 ou em www.paranóicosdaluz.com.
Não hesite em ligar e faça-se membro. Lembro que este serviço é grátis e em muito lhe poderá ser útil a que você tenha uma delinquência bem vincada, para que desta forma não caia nas malhas da realidade, esse flagelo enorme onde o número de vítimas é cada vez mais assustador.
Lembre-se: não caia na real, junte-se a nós, unidos lutaremos por uma vida delinquente melhor!