terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Estou amando uma Yamaha

Neste momento estou amando uma Yamaha de 750 Cc, duas rodas capazes de arrancar alcatrão à primeira aceleradela. Uma verdadeira beldade que qualquer um dos meus amigos gostaria de pôr o rabo em cima. Mas estão ali muitos salários investidos para a deixar num brinquinho após vários consertos e autênticas cirurgias para trazê-la de novo à vida. Está como nova! Não a troco por mulher alguma deste planeta. Somos inseparáveis. Só ela consegue dar nas vistas mais do que uma mulher toda produzida. Aquele seu cantar de escape mais parece um quinteto de violinos. Outro dia pisquei o olho à Lice, minha vizinha, e ela quis experimentar o que são duzentos à hora na estrada que liga Barcelos à Póvoa do Varzim. E fomos até à costa litoral, levados pela força do vento, pela minha destreza em curvar quase deitado, a ir em contramão. Ela agarradinha ao meu casaco de motoqueiro, e eu, cheio de moral até dar com pau; e a minha Yamaha a meter respeito aos automobilistas que mal nos viam passar, tal era a velocidade que, por vezes, as mãozinhas da Lice descaíam para sítios que não deviam. Eu tinha de alertá-la, tem calma Lice! Chegámos à Póvoa e fomos ver o mar que não estava bravo nem calmo, estava assim-assim. Encostei a Yamaha ao pé do bar do Jota, dei uma moeda ao drogado para tomar conta dela e convidei a Lice a ir molhar os pés nas ondas do mar. Ela aceitou, e eu, ao olhar uma belíssima rocha, por momentos pensei, o bom que era…ok, deixem para lá. Afinal de contas a Lice é minha vizinha, e com vizinhas, desde que um primo meu se meteu em encrencas do género havia feito uma jura que com elas, só para pedir talheres emprestados. Isto, apesar de a Lice, no corpo ter todas as medidas como manda a lei, na voz, a coitada é mudinha. O ar da praia estava com uma pronúncia de calor que só me apetecia tirar a camisola mas, como ainda faltavam três meses para o verão propriamente dito, os meus bíceps estavam em baixo. O que seria uma vergonha exibir carne ao dependuro.

Ao longe, uns putos a comandar papagaios-de-vento, e eu a pensar: não sei como é que há caramelos que gostam destas manias! Mas enfim. Entre um pensamento e outro entretanto era noite e hora de regressar à terrinha, até porque, se a mãe dela sabe disto, era uma vez o Bilinho. Antes de montar na Yamaha, dei duas voltas a ver se algum filho da mãe deixou lá as marcas digitais. Estava tudo normal. Dessa vez não foi preciso passar a camisola no símbolo. Na volta, para lhe mostrar que tenho mãos e sou bem orientado na vida, fiz um pequeno desvio e, hora do caraças que me lembrei em fazer isso. Numa estrada bem secundária, um pneu furou, o que alterou a porra dos planos todos. Passados minutos, a lua ficou por cima de nós e as estrelas contámo-las uma por uma. A Lice tremia e tentava emitir uns sons esquizofrénicos com a garganta. Só pensava na mãe. Eu também pensava na mãe dela. Mas pensava mais nos dois irmãos dela, que são dois capangas que trabalham no matadouro a matar vacas e porcos, onde o sangue faz parte do dia-a-dia. Uma vez avisaram-me, um dedinho só, se lhe tocas com um dedinho…Depois fizeram em sincronia olímpica aquele gesto com as mãos a simular esganamento do pescoço. Esta imagem fez-me sossegar os ânimos assim como qualquer tentativa de praticar respiração boca a boca. Salvou-me ter contado para cima de um milhão de carneirinhos para adormecer. E dormimos, os dois, um para cada lado. O dia chegou com ruídos pouco habituais. Eram pessoas em volta de mim, aos gritos, a chamarem-me de gatuno, violador. 
Uns, prontos a pegar em paus, outros arrastando-me pelo pé, para me desancar. Uma cena diabólica para uma manhã sem fins lucrativos. De facto, a Lice estava manchada de sangue lá pelas partes, como se tivesse levado sei lá quantas facadas. Perante aquela situação eu estava literalmente fo-di-do. Sem justificação possível. Para me incriminar ainda mais, a Lice fazia uns gestos tão sem nexos que as pessoas achavam mesmo que eu teria violado o raio da muda. Alguém disse conhecer a rapariga e que ia já-já ligar para os irmãos dela. Pensei, pronto, estou feito. Nem em dois minutos eles chegaram e, mal viram o sangue lá para os lados das virilhas, supuseram que eu havia desvirginado a irmãzinha deles. Resultado: um murro nos queixos e outro na barriga. O resto foi com a polícia, a ser levado para o quartel para explicações. Eu apenas dizia, em sofreguidão, nem um dedinho, nem um dedinho. Por sorte minha chegou o paramédico que, ao ver os vestígios de sangue na roupa, percebeu de imediato que esse sangue era referente ao período menstrual. Bufei de alívio. E mandaram-me embora sem direito a curativos ou palavras mansas. Com estas e com outras havia perdido a manhã e a hipótese de vencer o mundo. Na rua, a Yamaha esperava-me com os seus faróis cansados, a pedir-me aceleração. E assim foi. Montei-a, senti-lhe o depósito nas pernas, e fizemo-nos à estrada. A vida é uma cena dos diabos, não vale um pneu furado, pensei, enquanto levava com o ar na cara, apostado na certeza que: enquanto houver estrada, não troco, não troco e não troco, esta Yamaha por mulher alguma!

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