terça-feira, 15 de novembro de 2011

ANÚNCIO DE JORNAL


Ir à morte e voltar deve ser das coisas mais fascinantes. Salvo erro, só uma pessoa conseguiu esse feito, há uns dois mil e onze anos atrás, quase doze. Por estes dias, deixei de acreditar em certas e determinadas merdas. Amasso o meu pão de cada dia e a fome é sempre igual. A Helena deixou-me um recado no espelho a dizer: FUCK YOU! O batom ainda estava fresco, logo, presumi ter sido escrito há poucas horas. Desde esse dia, acordar é quase tão difícil como fechar os olhos para dormir. Agora sei. Sonho com vampiras a chuparem-me todo e eu a pedir sangue aos que estão prestes a morrer. Depois acordo com vontade de rachar a vida em dois pedaços grandes. A solidão mete nojo, é a minha conclusão. Não havia existir mais nada para além do amor. As mulheres fazem-me pensar: por que existo? Agora divido o apartamento com insectos e alguns ratos que passeiam. Os vizinhos são tipos cheios cagança, ignoram-me, como se escritor fosse uma doença que come a carne e os ossos. Nada mais sei do amanhã. Que se lixem as projecções futuras e as almas penadas no meio da rua. Há dias pus um anúncio num jornal a perguntar se ainda há mulheres sérias que queiram um relacionamento discreto e com futuro. Deixei contacto de telemóvel e morada no jornal Barcelos Popular, e aqui estou: neste apartamento cuja única vista é o acampamento dos ciganos a esconderem a droguinha no cu das mulas; a aguardar que me liguem ou me batam à porta. Imagino mulheres de todas as cores, mas não surge nada. Será maré de azar ou será que o meu destino é cair de costas num abismo? Voltei a aguardar, sentado num banco cujas pernas estão piores do que as minhas. No primeiro dia ligaram-me três mulheres, altamente interessadas em conhecer um pouco mais do que a voz que ouviam pelo telefone. Fiquei aceso por dentro e fora do corpo. Finalmente Deus ouviu as minhas preces, ainda que apenas as tenha somente murmurado entredentes. Marquei com uma delas às cinco e, enquanto vinha e não vinha, fui preparando a caminha. Ah, a caminha, nem ela se lembra da última vez quanto mais eu. Bebi dois copos de Gim para ter ideias e poder falar sobre coisas que raramente me ocorrem, tais como: sistemas planetários, política estrangeira, literatura clássica, etc. A ansiedade mal teve tempo de se instalar em mim pois alguém bateu à porta com ritmo suave, como se viesse com uma música romântica na cabeça. Fui abrir, cheio de peito, caminhando em direcção à porta com a minha masculinidade ao alto. Abri a porta. Era uma senhora bastante gorda e com indícios de quem a amargura lhe comera alguma parte importante do corpo. Sinceramente perdi a tusa. 

- Bom dia. É o senhor Bilinho?
- Não, aqui não há nenhum Bilinho. Tenha um bom dia.

Em poucas palavras despachei a gorda e fui morrer mais um bocado para a sala com mais dois copos de Gim, sonhando com coisas que não devia. No dia seguinte, outro telefonema. Pela voz, imaginei um céu a inventar os seus pássaros. Uma doçura de voz ao qual, mais dois minutos no meu ouvido, ainda apanhava a diabetes. Esta não era gorda nem magra, disse-me sem que lhe perguntasse. Fiquei tranquilo, mas até ao momento em que espreitei pelo olho da porta e, raios parta o meu azar, a tipa era manca e tinha um olho bastante descaído. Bateu tantas vezes à porta até se cansar e ir-se embora a resmungar e a chamar-me nomes trogloditas. 
Suspirei de alívio, embora tudo corresse mal. Perguntei-me, onde param as gajas boas? Depois ligou-me outra meia gaga, meia surda e meia badalhoca a tratar-me por amor. Desliguei-lhe a chamada nas bentas e fui-me derreter de ócio para a sala. Na manhã seguinte acordei com a solução no pensamento: fui ao jornal e dei uma volta ao texto do anúncio. Ficou assim: "Cavalheiro bem formado, bem de vida, casa própria, procura senhora para compromisso sério. Ligar somente interessadas". Por sorte, a sorte começou logo ali. Nem foi preciso alguém ligar já que uma mulher toda charmosa e com bom chassi deu-me a entender ser um bom volante em minhas mãos para as curvas que eu quisesse dar. Uma loirinha a sofrer da mesma solidão que eu, predisposta a ir lá a casa experimentar uns pinotes sobre o meu colchão. Dois dedos de paleio, se tanto, metemo-nos no carro dela e fomo-nos, animadinhos com conversas, a meu ver, escaldantes. Gostava da forma como ela metia as mudanças, da prioridade que dava aos velhinhos com um gesto. Uma doçura. Quando perto da minha casa, disse-lhe: chegamos, moro aqui. Estacionou. A loira ficou em pensamentos breves, observando a falta de telhas em partes do telhado, as janelas sem simetria, os caleiros podres, o cão a roer uma galocha. Houve um silêncio. Um pequeno silêncio. Depois, a sorrir, disse-me, então, não nem vens abrir a porta do carro a uma senhora? Ó, claro que sim, respondi. Saí do carro todo galante, olhei o céu, pisquei o olho a Deus em agradecimento e, quando menos esperava, a vacarrona da gaja meteu a primeira e arrancou a todo o gás. Bem, pelo menos lançou-me um adeus.

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